A recuperação de qualquer cirurgia é difícil. Exige muito repouso, cuidado e atenção. No caso de Anahi, ela ainda precisava se adaptar a uma nova rotina alimentar. De uma dieta líquida, ela passou a uma dieta pastosa, até poder ingerir certos tipos de alimentos sólidos. Mas não era mais como antes. E nem voltaria a ser.
Os primeiros dias em casa foram os mais difíceis, pois ela ainda sentia um certo incômodo por causa dos pontos, o que a fez mergulhar em um repouso absoluto vigiado de perto pela mãe. Logo, ela não tinha muito o que fazer. No começo, se contentava em mergulhar no mundo de fantasia dos seus livros - Ela estava ignorando os romances, por enquanto -, nas séries de drama e suspense, nos jogos de futebol ou simplesmente ficava trancada no quarto com seus fones de ouvido, a música transportando-a para um mundo que só ela saberia dizer. No 10° dia, no entanto, isso já não estava sendo mais o suficiente.
Felizmente, naquele dia em especial, ela não precisava se preocupar com isso.
Era um daqueles dias em que o iminente pôr do sol tingia em vários tons de laranja o céu que ia escurecendo, brindando a cidade de Nova York com um crepúsculo que era comum durante o outono.
Uma brisa leve varreu algumas folhas secas que haviam caído das árvores do jardim da casa de Anahi e Erika, ao mesmo tempo em que uma gostosa gargalhada irrompeu naquele cenário, dando ainda mais vivacidade áquela tarde bonita de sábado.
- Não acredito que você pagou esse mico. - Anahi, que repousava sua cabeça tranquilamente no colo de Christian, levou uma das mãos dramaticamente a testa. O tom pálido de sua pele havia adquirido uma leve coloração avermelhada pela recente sessão de risos.
- Mas você tinha que ver! O cara parecia muito mais velho, eu achei de fato que era avô dela, não namorado! - Maite bufou, olhando de forma acusadora para Christian, que fez sinal de rendição com as mãos.
- Não me culpe. Foi você quem disse "Não vai se despedir do seu avô, Gabrielle?" No meio do salão da Petit Art. Eu estou apenas repassando a informação. - Deu de ombros, as costas repousando no tronco de uma árvore enquanto uma das mãos se emaranahva entre os cabelos curtos de Anahi.
- Cínico. - Maite apertou os olhos, mas foi impossível conter o ar de riso que se formou em seu rosto. Os três terminaram gargalhando, afinal.
A morena se largou de costas na grama, suspirando de satisfação ao sentir o vento eriçar sua pele. Aqueles momentos eram tão raros que os olhos de jabuticaba se fecharam, deixando aquele frescor tomar conta dos seus sentidos.
Os três estavam largados sob uma árvore na entrada da casa de Anahi, da qual, por sinal, exalava um aroma de café forte que se misturava ao cheiro da terra recém-molhada, aguçando o olfato e os demais sentidos em um convite irrecusável para eles permanecerem horas ali e esquecerem os problemas que havia fora daquela bolha particular. Passaram longos minutos aproveitando aquela paz momentânea, apenas desfrutando da presença um do outro. O silêncio não era incômodo, pelo contrário, parecia imergir cada um dos três em seu próprio mundo. A calmaria era interrompida apenas pelo barulho de alguns carros que passavam pela rua, mas isso não chegava a incomodar. O canto dos pássaros, no entanto, era muito bem-vindo, e soava como uma canção que os conectava ao mundo real e os convidava a submergir daqueles mares tranquilos de volta à realidade. Mas o grupo de amigos se recusava, se mantinha firme em seu próprio mundo onde as coisas eram mais simples.
Infelizmente, era impossível ignorar a tal da realidade por muito tempo, pois, sorrateira que só ela, sempre dá um jeito de bater a sua porta. Seja de forma branda ou da forma mais dolorosa.
- Você sente saudades da Patit Art?
Foi Christian quem quebrou o silêncio. Maite permaneceu de olhos fechados, mas o leve franzir em sua testa indicou que ela estava atenta à conversa.