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𝓞 tempo na cafeteria havia passado rápido demais, mas Bruno estava com sorte: teria a chance de contemplar Nora por mais algum tempo, tendo em vista o convite para uma palestra que ela daria na rua Maria Paula, bem perto dali. O assunto era polêmico e tinha relação com o gnosticismo. Era mais uma vez a sincronicidade atuando. Tema da noite: "Maria Madalena, uma mulher à frente de seu tempo".

— Ficaria muito feliz se você viesse. Por coincidência, falamos no assunto. Será mais tarde, às 20h30, pertinho daqui. Agora são 18h15, tá quase na hora.

Bruno sequer pensou em criar empecilhos, tamanho era seu encanto pela ruiva:

— Você já vai direto para lá? Não quer passar em casa e descansar um pouco?

Ela sentiu o corpo estremecer. Não era um convite malicioso, Bruno era um gentleman, mas se houvesse qualquer ponta de malícia — e ela adoraria que houvesse, não haveria problema algum, em partindo daquele par de olhos azul-turquesa.

— Agradeço, Bruno, mas estou hospedada aqui perto e está quase em cima da hora.

— Tenho reparado em seu sotaque, você é portuguesa?

— Sim, nasci em Sintra, mas moro no Brasil há bom tempo e já misturei os dois 'portugueses', o brasileiro e o lusitano. Conhece Sintra?

— Ainda não, mas quem sabe você não possa me mostrar um dia...

Lisonjeada e derretendo-se por dentro, Nora tinha praticidade:

— Quem sabe, não é? Nas próximas férias... Bem, vou indo.

— Quer que eu a leve?

— Chamo um Uber. E a gente se vê, na palestra?

— Estarei lá. Na primeira fila.

Inadvertidamente, Nora deu-lhe um selinho. E saiu.

— Que atrevida! Mas gostei — suspirou. — Como diria um amigo, o amor é lindo!

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Mais tarde, Nora Gômer era a convidada especial de um ciclo de palestras que abordava "Os Primórdios do Cristianismo". Como prometido, Bruno estava na primeira fila — na verdade, na terceira, mas em posição de boa visibilidade.

Ela estava linda, segura de si, cheia de vitalidade e determinada. Magnetizava as atenções e ouvia-se o zunido de uma mosca, tamanho era o silêncio no auditório.

— Maria Madalena ou de Magdala é tida como gnóstica, uma vez que é mencionada nos evangelhos gnósticos de Nag Hammadi... Magdala é uma aldeia do Mar da Galileia, a dez quilômetros de Cafarnaum, onde Jesus fazia pregações. Foi nessas paragens que Maria Madalena encantou-se pela doutrina do nazareno; e sobre ela se sabe pouco. Judia ou aristocrata? Prostituta ou santa? Namorada de um soldado ou noiva de um discípulo?

"Por bom tempo foi considerada pela Igreja como a 'apóstola dos apóstolos', haja vista ter sido a primeira a atestar a ressurreição de Jesus, recebendo dele uma importante missão: avisar os discípulos do feito. Mas curiosamente, o fato de ter ido ao túmulo ungir o corpo, tarefa reservada a familiares, não indicaria ser ela mais do que uma simples seguidora? E veio a pergunta: afinal, companheira espiritual ou esposa do mestre?

"Os evangelhos canônicos dão-lhe até certo destaque, mas é nos apócrifos de Nag Hammadi que vamos ver sua grande proximidade com o Cristo. Ali, ela assume papel de líder, a única a aparentemente compreender a gnose por ele trazida. Notem, para mulheres daquela época serem peregrinas ao lado de homens, tinham de ser independentes, financeira e socialmente, no que se deduz: Madalena talvez fosse divorciada ou viúva; e provavelmente rica. Mulher emponderada, sem dúvida."

A assistência feminina extasiou-se.

— Num dado momento, a Igreja passa a considerá-la mundana e endemoniada, fato que perdura até 1969, quando então tais pechas lhe são retiradas e ela volta a ter um destaque positivo, mas o destaque maior vem mesmo pelo evangelho gnóstico de Filipe. A partir de Nag Hammadi, apresentou-se ao mundo sua estreita relação com Jesus, já insinuada nos canônicos e não necessariamente uma relação de comunhão sexual, talvez apenas uma relação de cumplicidade espiritual. Segundo os relatos, Jesus a beijava na boca, mas talvez porque essa era a forma simbólica de transmitir sabedoria entre os gnósticos e convenhamos, bem saborosa...

Risada geral.

Com mais algumas considerações, ela encerrou a palestra, sendo ovacionada de pé, com Bruno sendo o primeiro a erguer-se e puxar as palmas.

Os dois trocaram olhares românticos, embalados por histórias de amores hereges, ali possivelmente relatados. O advogado não via a hora de dar-lhe um demorado beijo, um beijo não gnóstico, de preferência. Ela também!

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Bruno abriu a porta do apartamento segurando as chaves da porta com dificuldade, em meio a beijos lascivos com Nora. Vacinados (contra o coronavírus) e usando máscaras, retiraram a proteção já no corredor. Que urgência era aquela? Tinham-se conhecido de manhã e pareciam dois adolescentes, cuja premência da paixão superava qualquer atitude mais racional. Nora falara tanto de conhecimento, sabedoria, razão e caminho rumo à gnose, que parecia deixar agora tudo aquilo em segundo plano, cedendo aos instintos que o corpo solicitava.

— Às favas com o conhecimento — dissera ela, mordendo docemente o lábio inferior do parceiro, enquanto suas línguas se intercruzavam.

— Se a gnose é transmitida pelo beijo — respondeu ele, ofegante —, no final dessa noite eu serei o homem mais culto da face da terra.

Nora afirmou:

— Hoje ainda vou te ensinar tudo, meu bem...

— Mal posso esperar...

Enquanto Bruno fechava a porta, Nora, que era afeita a detalhes, reservou alguns segundos de lucidez para passear os olhos em tudo. E gostou do que viu, da ordem e do bom gosto. Pensou: "Tem muitos atrativos, além da beleza e da inteligência".

— Vem cá... — Puxou-o pela gravata, envolvendo-o num abraço apertado, mas dada à urgência sanitária, ajuizaram primeiro tomar um banho. Juntos, evidentemente.

O desejo contido pela correria da vida, comum aos dois — e a busca seletiva que faziam de parceiros, transformava cada eventual encontro com o sexo oposto sempre explosivo, porém, nada se comparava ao que envolvia agora a ambos.

Uma aura especial os enredava num clima de romance irresistível. Parecia que o mundo havia parado, estampando a fotografia daquele momento único.

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