𝓒𝓸𝓷𝓼𝓮𝓵𝓱𝓮𝓲𝓻𝓸 𝓛𝓪𝓯𝓪𝓲𝓮𝓽𝓮
𝟙𝟟 Voltei ao presente... Trinta dias tinham se passado, desde minha chegada ao Brasil. Temeroso e sozinho, uma vez que Lea tomara outro caminho, retornando à Europa, agora, mais do que nunca, necessitaria ter a coragem que me faltara, ao não falar a ela dos sentimentos que nutria; coragem para enfrentar a Ordem; e coragem para encarar minha doença.
— Não sei se acredito em metade do que você me contou, Domingos — disse meu tio.
— Se acreditar em metade, já estará bom. É a porcentagem do mundo que tenho para vasculhar e encontrar o documento "Q", pois acredito é certo que está no hemisfério Sul.
Inspirei o ar da fria tarde, soltando-o devagar, enquanto o ar quente transformava-se em névoa diante de meus olhos. Quando jovem, eu sempre imaginei se tratar de vapor d'água, o expirado pela boca, mas um dia soube a verdade: o vapor é invisível aos olhos e sai dos pulmões condensando-se ao contato do ar frio, e o que parece fumaça ou vapor é, na verdade, uma névoa d'água. Isso me fez pensar numa coisa... Há tempos não via o tio. Ele seria confiável? Ou seria como aquela suposta fumaça, que parecia ser, mas não era? Afinal, eu realmente poderia confiar em alguém mais, que não fosse Lea? Entretanto, tinha que me fixar numa certeza: não deveriam caber dúvidas, nem quanto a tio Jonas, tampouco quanto a tia Laura.
Tio Jonas soltou fumaça pela boca — essa sim verdadeira, ao menos em parte, expelida pelos pulmões após uma tragada no cigarro:
— Você precisa tomar cuidado. Temos que tomar providências.
Sem prévio aviso, minhas faces ruborizaram-se, quase ao ponto de chamas poderem brotar espontaneamente de minhas bochechas. Senti novamente aquela dor e baixando a cabeça, coloquei as duas mãos sobre o couro cabeludo. Apertava com força, tentando extirpar o mal insuportável. Tio Jonas preocupou-se:
— O que houve?
— Ando com terríveis dores... — E tentei desconversar: — Mas não é nada não, vai passar.
— Domingos, não precisa mentir, eu já sei de tudo. Antes de partir, Lea me falou do tumor. É benigno, mas só um especialista pode realizar essa cirurgia, o Dr. Saul Horowitz.
— Especialista esse que foi sequestrado pelo Hamas — arrematei, em desalento. — E ainda que ele estivesse livre, quanto não cobraria por essa operação?
Eu falava de coragem e nem para contar ao tio que estava doente, eu tivera iniciativa, precisando que Lea fizesse o trabalho por mim. Seria já reflexo da doença, aquela minha falta de atitude? Como diria tia Laura, "falta de expediente"?
Segundo o médico, meu tumor ainda era pequeno, mas tumores menores às vezes fazem mais estragos do que os grandes, tudo depende da localização. Em mim crescia lento, como de comum nos benignos, e por ora causava apenas cefaleias, mas eu já começava a sentir pequenas dificuldades na coordenação motora.
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A Fonte Q
Mystère / Thriller🏆1º Lugar no Concurso Nove Caudas (Suspense/Mistério). Olavo Ravacini, jornalista e escritor, editor chefe da Editora Ravacini, tencionando publicar um manuscrito, confiado às suas mãos vinte anos atrás por Domingos Casqueira, teme processos por ca...