𝓘𝓼𝓽𝓪𝓶𝓫𝓾𝓵, 𝓵𝓪𝓭𝓸 𝓸𝓬𝓲𝓭𝓮𝓷𝓽𝓪𝓵
𝟡 Adentrei a sede da Gasly Departaments, temeroso. Talvez nem devesse mais colocar os pés ali, pois os dois que perseguiam Omar na Cisjordânia já deviam ter dado com a língua nos dentes. Para piorar, dei de cara com Gasly. De estatura mediana, ligeiramente obeso, cabelos grisalhos e olhos verdes, saudou-me:
— Bonjour, mon ami. E então? Gostou de Jericó? E o Khirbet Qumran, teve sorte?
Gasly devia agora pensar que eu sabia onde estava o documento "Q". De qualquer modo, o material que eu trazia talvez amansasse a fera. Devidamente embalados e catalogados, coloquei sobre a mesa um pedaço de pergaminho (do tamanho de um cartão de crédito), bem com uma lasca de um legítimo cântaro hebreu de 2000 anos (assim eu esperava). Como arqueólogo e devidamente autorizado pelo Estado de Israel, podia fazer o translado de pequenos artefatos para a Europa, a fim de serem estudados, desde que declarados e liberados pelas disposições alfandegárias.
— Um achado importante, principalmente esse retalho de pergaminho — disse ele. — É claro que ali tudo pertence ao Estado de Israel, mas a notoriedade do feito a de ser tão importante quanto a notoriedade do achado, não é mesmo? Tudo pela honra e glória da descoberta.
Palavras bonitas, mas nada que ele dissesse, dali por diante, soaria novamente natural aos meus ouvidos.
— Ah, Domingos, deixe eu lhe apresentar... — E deu um grito: — Manolo! Enrico!, por gentileza.
No fundo da loja havia dois homens, de costas para nós. Quando se voltaram, logo percebi, estava perdido: eram os mesmos que eu tinha visto em Qumran, a espreitarem Omar. Como tinham conseguido chegar antes de mim?
Ao se aproximarem, Gasly dirigiu-se ao mais baixo:
— Esse é Manolo, espanhol de Salamanca, primo do famoso Javier Loyola. Conhece o Javier, Domingos?
O coração queria saltar pela boca e eu quase suava frio. Precisando manter a calma, invoquei a frieza do velho Omar:
— Não, não faço ideia.
O espanhol adiantou-se ao francês:
— Ele é o fundador da Ordem Agnus, não conhece?
— Já ouvi falar, mas não sei do que se trata.
Apertei-lhe a mão. Em seguida, Gasly dirigiu-se ao outro:
— E esse é Enrico, direto de Verona, Itália.
Com um sorriso irônico nos lábios, ele me cumprimentou. E foi então que observei: a gargantilha de ouro de Jerome Gasly! Tal qual dito por Omar, uma medalhinha, nela cunhada uma ovelha e uma cruz. Pior: Manolo e Enrico também as possuíam, muito embora a de Enrico não estivesse visível, uma vez por dentro da camisa. Comprovado estava, portanto, que espontaneamente — e por minhas próprias pernas, eu adentrara a cova dos leões. O curioso é que a dissimulação dos três parecia combinada, talvez para irem me dando corda. Com certeza tinham em mente que Omar me dera instruções e era cabível, por enquanto, apenas me vigiar. Gasly então sugeriu:
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A Fonte Q
Misterio / Suspenso🏆1º Lugar no Concurso Nove Caudas (Suspense/Mistério). Olavo Ravacini, jornalista e escritor, editor chefe da Editora Ravacini, tencionando publicar um manuscrito, confiado às suas mãos vinte anos atrás por Domingos Casqueira, teme processos por ca...