Fúria e Promessas

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Jeon estava parado no topo da colina, cercado pelas crianças, o vento frio açoitava seu rosto e trazia consigo lembranças do passado que ele tentava enterrar. O frio era como uma lâmina, cortante e penetrante, mas, paradoxalmente, oferecia um tipo de conforto que só a terra e a natureza podiam dar. A sensação do solo úmido e frio sob seus pés descalços era quase uma fuga dos demônios internos que o consumiam diariamente.

— Isso é bom pra caralho — murmurou ele, com um sorriso sombrio nos lábios. As crianças o olhavam com olhos arregalados, imersas em admiração, como se ele fosse mais do que um simples guerreiro, como se fosse uma lenda viva.

Ele puxou a faca da cintura com um movimento quase imperceptível, e, sem esforço, a lançou em direção às árvores com uma precisão que fez o tempo parecer desacelerar. O som da lâmina cortando o ar foi imediatamente seguido por um gemido abafado de dor, vindo de algum ponto invisível na floresta. As crianças correram animadas, sem hesitar, com a adrenalina pulsando em seus pequenos corações, desejosas de ver o resultado da habilidade mortal de Jeon.

Ao se aproximarem, viram o cervo caído, o corpo do animal ainda quente, a vida escapando dele lentamente. Jeon caminhou em silêncio até a criatura, seus olhos fixos no cervo. Havia uma solenidade em seus gestos, algo quase reverente. Ele passou a mão pelo pelo macio do animal, antes de puxar a faca cravada em seu flanco.

— Lição número dois — disse ele, a voz rouca, mas carregada de gravidade. — Nunca deixem que eles sofram. — Suas palavras cortavam o ar como a lâmina que ele usava, e, com um único movimento rápido e preciso, perfurou o coração do cervo. O olhar do animal se apagou, e Jeon fechou suas pálpebras com cuidado. — É um ato de misericórdia.

As crianças o observavam, seus olhos brilhando com uma mistura de medo e admiração. Para elas, Jeon não era apenas um homem — ele era uma força da natureza, um ser que representava tudo que elas temiam e aspiravam ser. Para ele, no entanto, era apenas mais um momento de distanciamento da vida que ele jamais escolhera.

— Deixando seus deveres de futuro chefe para dar aulas agora? — A voz de Jay cortou o silêncio, emergindo das sombras entre as árvores. Seus braços cruzados, o rosto carregado de reprovação. — Os anciões estão à sua espera.

Jeon deu uma risada curta, quase amarga, enquanto se levantava, limpando a terra de suas mãos.

— Não fiz a caça da semana. — Ele lançou um sorriso sarcástico para o amigo. — Lá em casa só tem legumes e vegetais. Um homem não vive só de mato, Jay.

Jay balançou a cabeça com um leve sorriso, mas a preocupação ainda marcava seu semblante. As crianças, sem saber o que fazer, começaram a descer a colina em direção ao vilarejo, deixando Jeon e Jay para trás.

— Você deveria voltar a morar com seus pais — sugeriu Jay, mas havia uma suavidade em suas palavras, como se ele soubesse que o pedido era inútil.

— Tenho 22 anos, Jay. — Jeon coçou a cabeça, o desconforto evidente. — Não sou mais uma criança. Além disso, construir minha própria casa foi uma conquista, algo meu. Não posso simplesmente abandonar isso.

Jay suspirou, desistindo de argumentar. Mas o silêncio que se seguiu estava pesado, como se as palavras não ditas fossem mais importantes do que aquelas trocadas.

— Sua mãe está organizando outra reunião. E desta vez, seu tio vai participar. — Jay hesitou antes de continuar. — Ela insiste em trazer um Sangue Vermelho para o vilarejo.

A tensão foi instantânea. Jeon parou de andar, seus olhos escurecendo com uma raiva primitiva. O calor subiu em seu corpo, e ele cerrou os punhos, o maxilar trincado.

— Merda! — Ele sentia o gosto amargo da palavra em sua boca, o sangue fervendo em suas veias. — Por que ela insiste nisso? — A frustração era como uma tempestade dentro dele, crescendo a cada segundo.

— Dizem que é um príncipe... — Jay continuou, cauteloso. — Kim Taehyung. Dizem que é bonito... e educado. Atraente, tanto para homens quanto para mulheres.

As palavras de Jay atingiram Jeon como um soco. Beleza? Educação? Que diferença isso fazia? O desprezo de Jeon se intensificou, sua raiva agora combinada com um toque de amargura.

— Que porra isso importa? — Ele cuspiu as palavras com desgosto. — Beleza e educação? Que caralhos isso tem a ver comigo?

Jay sabia que não havia mais nada a dizer, então apenas deu de ombros, afastando-se enquanto deixava Jeon imerso em seus próprios pensamentos sombrios.

Ao olhar para as crianças que já estavam quase no vilarejo, Jeon sentiu algo apertar em seu peito. O futuro daquelas crianças... ele prometeu proteger aquele lugar. Prometeu ao seu pai.

— Eu não vou permitir que aquele humano pise aqui — murmurou, os olhos fixos no horizonte.

De repente, risadas ecoaram pelo ar. Alicent, com seus cabelos desgrenhados, saltou nas costas de Jeon, cobrindo seus olhos com as mãos, como sempre fazia.

— Adivinha quem é? — Sua risada era como um bálsamo temporário para a alma de Jeon, mas mesmo isso parecia não ser o suficiente.

Jeon a puxou para um abraço caloroso, mas sua mente já estava longe, envolta nas sombras da raiva e da frustração.

— Jeon, temos que ir — Jay interrompeu o momento, a urgência em sua voz trazendo Jeon de volta à realidade.

Após se despedir rapidamente de Alicent, Jeon seguiu para a reunião. Ao se sentar ao lado de sua mãe, ele sabia que o verdadeiro conflito estava apenas começando.

— Não vamos trazer humanos para cá! — Ele bateu as mãos na mesa com força, os olhos em chamas. — Não vou permitir que destruam o que construímos!

Sua mãe, imponente como sempre, olhou para ele com uma expressão dura, mas havia cansaço em seus olhos.

— Você não entende, filho. O mundo está mudando. Precisamos nos adaptar, ou seremos destruídos.

Jeon sentiu sua raiva fervilhar, mas, no fundo, uma parte de si sabia que havia verdade nas palavras dela. Ainda assim, ele não podia aceitar. Não sem lutar.

A batalha, ele sabia, estava longe de acabar.

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Fim

O Príncipe Trakai eo Rei cruel_taekookOnde histórias criam vida. Descubra agora