SONHAR

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           Mexeu-se desconfortavelmente na cadeira, olhando através da grade da janela para a árvore frondosa que se erguia de um dos pequenos jardins do colégio. Sabia que algum de seus colegas olhava insistentemente para ela por sentir suas costas queimarem. E não gostava. Definitivamente não.

Se descobrisse quem era, ao menos... Mas era inútil. Sempre que virava os olhos cor de chocolate ao leite para tentar localizar quem lhe olhava com tanta insistência, quem quer que fosse, desviava o olhar na mesma velocidade, quase como se previsse os seus movimentos. E isso com certeza a irritava.

Voltou a olhar para a árvore, já sem folhas por conta da época de seca que entrara um mês atrás, no começo de maio, ignorando, além da explicação sobre a arte pré-colombiana, o olhar desaprovador da professora pela sua falta de atenção. Tirava de letra as provas de Artes – mais por culpa de sua memória quase fotográfica que qualquer outra coisa.

E então, a sensação de estar sendo observada voltou. Xingou mentalmente quem quer que fosse, mas ignorou. Não adiantaria tentar descobrir quem era.

Apoiou as costas contra o encosto da cadeira, cruzou os braços e encostou a cabeça na coluna que havia naquele ponto. Pescar um pouco antes da aula de Geografia não faria mal nenhum... Ainda mais em se tratando de uma aula dupla.

Bocejou enquanto sentava em seu lugar depois da apresentação para o professor de Geografia. Já se arrumava para continuar o cochilo interrompido para aquilo que definia como “chatice”, mas devia saber que o professor não deixaria ela – nem ninguém – fazer isso tão fácil. Ele começou a falar sobre uma redação para ser feita em duplas, e ela já começara a olhar ao redor atrás daqueles com que normalmente fazia trabalhos em grupo, não amigos de fato. Ela não tinha amigos – não se permitia ter amigos. Não em Goiânia. Seus amigos tinham ficado em São Paulo.

Mas nem isso o professor deixou. Ele começou a sortear as duplas pelos números.

Ficou atenta quando ele falou “Seis”, o seu número, acompanhado de um “Vinte e Cinco”. Quem era o vinte e cinco? Com certeza não era o número de ninguém que fazia os trabalhos com ela, sabia os números deles de cor para fazer as capas e contracapas dos trabalhos.

Mas bufou de raiva quando viu quem era, trazendo uma cadeira para sentar do lado dela. Louis Savino Bourbon, um italiano com pose de gostosão e de playboy de quem ela não gostava. Afinal, o que raios ele tinha ido fazer no Brasil? Não podia ter continuado na Itália, perturbando as garotas de lá, ao invés das do seu país?

Sim, Louis perturbava as garotas, principalmente aquelas que estavam na onda de Crepúsculo. De acordo com elas, ele lembrava um dos vampiros bonzinhos da Meyer. Para a garota, ele lembrava sim um deles. E era mais um motivo para detestá-lo. Aquela falta de cor nele a fazia ter vontade de vomitar. Preferia os, no mínimo, morenos de sol, indo até os negros.

Alguma das meninas cutucou seu ombro, e ao olhar, era Patrícia, uma garota legal, meio patricinha, mas gente boa, com quem costumava fazer os trabalhos e que o mapa de classe feito no começo do ano colocara atrás de si.

— E aí, Ly? Vai sentar junto do Louis! Queria estar no seu lugar! – a menina estava a ponto de sair pulando. A dupla dela, Sara, parecia quase tão animada quanto Patrícia.

A garota de cabelos castanho-escuro só ergueu uma sobrancelha e sorriu de canto.

— Queria mesmo? Troco de lugar e com prazer! – em seguida apontou para o garoto, preso num engarrafamento de alunos que andavam para todo lado até suas duplas, e então fingiu vomitar. O cabelo claro demais e os olhos azuis quase brancos, um tom meio leitoso, que o rapaz tinha, faziam a jovem pensar que olhava para um fantasma.

Arely A Mensageira - The War IOnde histórias criam vida. Descubra agora