LEMBRAR

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O cheiro que lhe rodeava era insuportável. Cheiro de hospital. E a cama dura confirmava suas suspeitas: estava de fato num hospital. O que acontecera? Ela se lembrava apenas de ter comprado um livro, tomar um Café Brigadeiro acompanhada de alguém... Quem mesmo? Ela sabia o nome. Lembrava até que queria perguntar algo para a pessoa... Era homem ou mulher? Arely simplesmente não conseguia se lembrar!

Abriu os olhos devagar. Sua mãe estava sentada na poltrona encostada na parede, dormindo de mau jeito e ressonando levemente. A cortina da janela estava fechada, e sentia uma pontada em seu braço. Olhou e enxergou a agulha que penetrava por uma das veias, um tubo longo e fino ligando-a ao saco de soro. E em ambos os braços havia marcas de tentativas falhas de furá-la atrás de uma veia, grandes e roxas. Era sempre a mesma coisa. Veia profunda e fina. Sempre que precisava tomar alguma medicação desse jeito, parecia que tinha sido espancada.

Sentou devagar, testando os sentidos e o senso de equilíbrio, e então conseguiu enxergar alguém sentado no chão, todo esparramado.

Sentiu um arrepio percorrer sua coluna. Um arrepio de medo. Era Louis.

E, apesar de ter esquecido tantas coisas, ainda se lembrava do sorriso convencido antes de desmaiar por completo. Não gostava dele.

Afinal, o que raios ele fazia ali?!

Teve vontade de levantar da cama e chutá-lo bem nas costelas. Tinha certeza que o que quer que houvesse acontecido com ela, era culpa dele, embora não pudesse prová-lo nem soubesse como ele tinha feito.

Mas abandonou a ideia ao perceber que a escadinha estava bem distante. E não arriscaria saltar daquela cama enquanto não estivesse cem por cento.

Deixou-se cair contra o travesseiro, e tentou forçar sua memória a lembrar quem a acompanhava.

E tinha mais coisa. Algumas lacunas... Pessoas que ela vira. Forçou sua mente a se concentrar nessas lacunas e tentar trazer algo, mas tudo que conseguiu foi desencadear uma onda de dor quase tão forte como a que lhe fizera perder a consciência.

— Como está se sentindo? – alguém sussurrou de um jeito preocupado. Mas viver tanto tempo em meio a hipócritas e aprendendo a ser uma para identificá-los a fez perceber a dissimulação.

Abriu os olhos e observou rapidamente sua mãe, verificando que ainda dormia, e então olhou de novo para Louis, agora sentado na beira da cama, a expressão do rosto mostrando preocupação. Mas Arely não olhou para seu rosto. Olhou para seus olhos.

E ela conseguiu descortinar o falso sentimento expressado e ver a verdade por um instante: ele estava feliz por vê-la daquele jeito, porque conseguira o que quer que quisesse. Então ele desviou o olhar, ciente de que ela vira. De que ela podia ver. De que ela sabia. Mas não podia provar.

— O que faz aqui? – por um instante, a voz dela provocou-lhe calafrios. Lembrara-lhe muito a primeira que encontrara, pouco menos de quinhentos anos atrás. A voz de alguém que sabe detectar mentiras e não as aceita. A voz de alguém que o detestava e não fazia questão de escondê-lo. Mesmo que depois aquela primeira lhe tivesse pedido ajuda por puro ciúme.

— Estava preocupado com você. – ele respondeu, dando à voz e à expressão um tom inocente.

Arely franziu as sobrancelhas. O tom de voz dele declarava que ele estava mentindo porque contradizia a luz em seus olhos.

— Eu não sou idiota, ingênua, cega ou surda, Louis. Não me venha com mentiras e falsidades. Sei quando estou diante de um hipócrita. – sua voz saiu cortante. Louis não sabia se estremecia ou se sorria. O modo como respondera não negara o que ela era. E, ao mesmo tempo que sentia-se orgulhoso por encontrá-la, sentia medo do que ela era capaz somente com palavras. Conhecia as histórias e sabia que muitos tinham enlouquecido e tirado a própria vida somente com algumas palavras daqueles iguais à ela.

Arely A Mensageira - The War IOnde histórias criam vida. Descubra agora