OUVIR

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Fazia um mês desde a noite de bebedeira e a descoberta sobre quem ela era. Durante a semana, as manhãs eram preenchidas com o colégio, e as tardes no Parque Areião ou no Jardim Botânico, debaixo das árvores e longe das trilhas, ao lado de Adrien. Ruby os rodeava, atenta ao sinal de Vampiros, Bruxos ou humanos suspeitos, enquanto outros membros do clã permaneciam nas redondezas com o mesmo objetivo.

Nesses locais, Adrien fazia Arely mergulhar em meio às vozes e ouvi-las, separá-las e anotar o que diziam. Depois de algumas horas nisso, eles começavam a jogar xadrez ou WAR, ou mesmo os dois ao mesmo tempo. O Lycan fazia a Mensageira continuar mergulhada nas vozes e usá-las para montar as estratégias e jogar contra ele, com o menor número de perdas possível. E para cada peça perdida ou sacrificada, Adrien batia com uma régua de madeira nas mãos da garota. Durante a noite, iam para a sede do clã Carvalho, onde continuavam os jogos antes de dormirem quase meia noite. Entretanto, longe da natureza, Arely tinha a sensação de que ficava mais difícil voltar de entre as vozes.

Durante o fim de semana, o Observador a levava para veterinários durante o dia e a fazia treinar a cura nos animais internados, analisando o espírito dela antes e depois. Perguntava quantos animais ela curava e, se considerava um número baixo, a beliscava com força. Dizia que, durante as batalhas, era pior: cada morto entre eles significava um novo espírito para o outro lado usar na Guerra.

Os pais dela não gostavam que ela dormisse em outro lugar que não em casa, mas aceitavam que Arely agora passava quase todas as noites na casa de Ruby. Algo mais por insistência de Adrien, mais intensa a cada dia.

Ele percebia como Arely descia cada vez mais numa espiral de insanidade — por mais que ela resistisse às vozes, e, ah, como ela resistia quando não estavam num local rodeado da natureza. Reconhecia as pessoas ao redor e não demonstrava a mesma violência de Elizabeth, mas via coisas que não estavam ali, como visões, e sensações intensas na pele que iam além do comum frio crescente — coisas que ele nunca vira ou ouvira falar num Mensageiro. O frio era normal, consequência do aumento da temperatura corporal. Mas sentir e ver coisas que não existiam... Isso não.

Começara simples. Chamas acesas no fogão, mesmo quando o gás tinha acabado e ninguém trocara ainda. Alguém deslizando os dedos por entre seu cabelo.

Agora, por vezes ela saía correndo por ver uma parede de fogo onde nada existia, ou dizia que fogo a consumia por dentro. Que quando se olhava no espelho, via o fogo rachar sua pele e escapar pelas fendas, o via serpentear no branco do olho. Dizia que cheiros de jardins silvestres invadiam suas narinas, e falava que eram as flores do Jardim do Fogo Celeste, o que quer que isso significava; nesse momento, parecia não ser ela, realmente. Graças a Deus que Ruby estava sempre com ela no colégio, ou tinha medo do que aconteceria.

Adrien começava a temer que não a considerasse pronta para enfrentar o teste da Catedral em tempo — por alguma razão, ela ainda não apresentara visões claras de passado, presente e futuro, algo essencial para Mensageiros, depois que os poderes tinham de fato despertado; enquanto as visões não se apresentassem, não podia se arriscar a fazê-la enfrentar o teste da Catedral. A forma como ela era sugada pela loucura, de forma mais intensa e implacável por conta da resistência às vozes, era selvagem. Temia que ela terminasse para sempre presa na insanidade.

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Allan observou o jogo daquela noite com o coração apertado. Cada vez que a régua batia contra as palmas de Arely, se encolhia com o estalo. Tinha vontade de pular no meio do tabuleiro, espalhar as peças, pegar a garota nos braços e escondê-la e protege-la.

E o que mais o irritava não era o quão implacável Adrien era com o treinamento, mas como, com o passar dos dias, a Mensageira passara a simplesmente olhar além quando a régua atingia sua pele. Não parecia mais notar tudo ao próprio redor. Comia cada vez menos, e as curvas generosas sumiam lentamente. Mesmo as bochechas de criança estavam quase sumidas.

Arely A Mensageira - The War IOnde histórias criam vida. Descubra agora