PROTEGER

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— Tem certeza que está tudo bem, Arely? — Ruby perguntou pelo que podia ser considerada a centésima vez, enquanto ajudava a Humana a organizar os livros no antigo quarto da avó.

Arely suspirou, parando de organizar os livros de Júlio Verne por ordem alfabética na estante, o olhar se perdendo por entre os livros antigos e novos que seus pais e ela vinham acumulando. Ainda não lera sequer metade deles, mas leria todos. Um dia conseguiria. Mas não era isso que se passava em sua mente.

Naquele dia, fazia uma semana desde a morte de sua avó. Seus pais não tinham discutido a história apresentada, sustentada por Ruby, Allan e Aldina, a mãe deles — ela não tinha ideia de quem era o pai deles; por alguma razão, ele a evitara durante todo o domingo que passou na casa da amiga, sendo arrastada junto de Ruby pelas crianças para brincarem com elas, sentindo os olhares vigilantes de Adrien e Allan, que berrava piadinhas bobas e provocativas. E, embora sua mãe fosse continuar a trabalhar, e fosse óbvio que seus pais pareciam muito mais tranquilos e que a palavra que tinha pairado por quase um ano e meio chamada "divórcio" tinha desaparecido, era estranho saber que sua avó estava morta. Nada erguera suspeitas: nos dois primeiros dias precisou usar alguma maquiagem para disfarçar os ferimentos que nem mesmo ela sabia como ganhara, mas então eles já estavam cicatrizados — ela tinha percebido isso, como seus ferimentos vinham se fechando cada vez mais rápidos.

Na segunda, quando foi o velório e o enterro, seus pais não trabalharam e ela não foi à aula — mesmo porque seu uniforme estava destroçado e a mãe de Ruby fora comprar outro, já que seria difícil explicar algo parecido à seus pais — e lembrava claramente de não ter derramado nem mesmo uma lágrima. Ela não fazia falta de fato em sua vida. Nunca tinham sido próximas.

E era aquilo que a assombrava. A ausência de qualquer coisa além de uma sensação de liberdade, como se ela estivesse presa em um elevador quebrado e claustrofóbico até aquele instante. A assombrava mais a possibilidade de ser uma espécie de monstra coração-de-pedra do que o fato de que ainda não acreditava que Lycans, Bruxos e Vampiros existiam, apesar do que vira. Nem mesmo a causa exata de sua morte — coisa que Adrien não ocultou — a fez lamentar.

Virou o rosto para Ruby, piscando, os olhos castanhos ainda meio perdidos.

— Hei, Ruby... Eu devia sentir alguma coisa com a morte da minha avó?

A Lycan suspirou. Finalmente, o assunto que ela, Allan e Adrien vinham tentando arrancar desde domingo. Ao falar da morte de Marieta, não passou despercebido à nenhum dos três que, além de uma leve surpresa, Arely não parecera de fato sentir algo com a notícia.

Abandonou os livros de Agatha Christie que estava organizando, andando na direção de Arely.

— Não, se você não se sentia próxima à ela. — bagunçou a franja solta do rabo de cavalo. — Agora, pare de se preocupar com isso. Temos que terminar isso ainda hoje, senão nenhuma de nós vai conseguir arrumar a mala! — sorriu, cutucando as costelas da garota, provocando cócegas e risos, e torcendo que aquilo fosse suficiente para tranquilizar Arely.

Com o fim do semestre letivo, Arely ia viajar no domingo à noite para São Paulo, chegando segunda à tarde na cidade. Com as palavras certas, Ruby tinha conseguido vaga no carro para a viagem também — agora só desgrudaria de Arely se Adrien a arrastasse pelos cabelos. Allan permaneceria em Goiânia, vigiando Louis e os Bruxos e mantendo-a informada — embora ele tenha manifestado seu desejo de viajar com elas. Adrien tinha dito que também iria para São Paulo, mas encarregou a proteção de Arely totalmente para a aluna enquanto estivessem na cidade, alegando que tinha assuntos de Observador para resolver — que de certa forma eram relacionados aos últimos acontecimentos e ao futuro.

Arely A Mensageira - The War IOnde histórias criam vida. Descubra agora