O Sábado começou mal. Depois de acordar com aquele pesadelo, Arely não conseguiu voltar a pregar os olhos. Ficou acordada a noite inteira, estudando e fazendo suas tarefas e trabalhos – não estava com cabeça para jogar. Logo começara a amanhecer e sentira o estômago reclamar por quase um dia sem comer, afinal, não almoçara nem jantara.
Desceu a escada aos pulinhos, e pelo ronco de seu pai que vinha de um dos três quartos, sabia que os pais tinham chegado enquanto ainda dormia e não haviam acordado até aquele momento. E pelo jeito nem sua mãe se incomodara em acordá-la – eles sabiam que de sexta para sábado Arely costumava dormir desde as seis da tarde até o meio dia, em sua paixão por sono que existia desde que era uma garotinha.
Direcionou-se para a porta de vidro que ligava a sala ao quintal de pedra. Escancarou-a e se jogou de costas no chão branco e sujo de pó e fuligem da cidade. Observou o céu que ia se tingindo de azul lentamente, revelando nuvens brancas de algodão. Inspirou fundo e absorveu o som das maritacas e demais pássaros que cantavam da mangueira na casa da vizinha da esquina e das árvores na rua. Aquele som sempre lhe saudava todas as manhãs, enquanto ia para o colégio, e era grata por ter esse privilégio, mesmo que raramente ouvisse aquele som nos fins de semana. Pelo menos algo ainda não mudara desde que chegara em Goiânia. Pelo menos algo para consolar e aplacar a saudade das melhores amigas.
Aguardou que o céu fosse todo azul, os olhos brilhantes e os cabelos longos se abrindo em leque sob sua cabeça, antes de se levantar e regar as plantas nos vasos, cheirando com prazer uma rosa branca que acabara de desabrochar. Então, entrou na cozinha e começou a remexer os armários e a geladeira, indecisa sobre o que iria comer. Não estava com paciência de cozinhar o que quer que fosse àquela hora. Por fim, encontrou um pacote de bolachas waffers sabor limão perdido num dos armários, mais um pote de creme de avelã com cacau. Sorriu, pegando uma garrafa de água na geladeira e subindo para o quarto, Tigrinho seguindo-a.
Enfrentava com afinco a “Dama do Bosque” em sua forma real na missão que envolvia conseguir o apoio dos Elfos Dalishanos em Dragon Age: Origins, quando sua mãe, Maria Paula, a chamou. Já passara do meio-dia e o almoço estava pronto.
Xingou quando a mãe lhe desconcentrou – não sua mãe, mas a si mesma, por ter se desconcentrado –, fazendo com que a sua ladra Guarda-Cinza – a última sobrevivente do grupo de quatro que levara para a batalha – ficasse vulnerável ao ataque por um instante, e morrer. Só porque faltava apenas a Dama do Bosque para terminar aquela missão, todos os Lobisomens que a seguiam derrotados!
Bufando, saiu do jogo. Se espreguiçou, alongando os braços e as costas depois de cinco horas parada no mesmo lugar, jogando, antes de descer as escadas.
Encarou o prato de macarronada com molho de carne moída e queijo ralado com desânimo. O cheiro era o de sempre quando sua mãe cozinhava, mas ao invés de fazer sua barriga roncar em antecipação, fazia seu estômago se remexer incomodamente, berrando-lhe “se comer, vou colocar para fora”. Não sabia o motivo exato de estar sem fome, mas estava.
Observou ao redor da mesa. A avó, Marieta, comia com aquela cara de paisagem que sempre irritara Arely. Fora por causa dela que a mãe passara a trabalhar fora quando se mudaram para Goiânia. A avó podia parecer uma inocente velhinha que sempre se fazia de vítima, mas a nora e Arely sabiam bem como era realmente. Divorciada quando o filho mais velho – o pai de Arely, Isaque – tinha seis anos, criara os três filhos sozinhas e sempre se fez de coitadinha. Mas quando fora morar com o primogênito, e a nora e a neta eram quem mais conviviam consigo, mostrara que era alguém que nada sabia fazer, sequer lavar a louça, criada como um bibelô, muito tempo depois que as paraguaias tiveram de arregaçar as mangas e ir a luta quando 99 por cento dos homens morreram na Guerra. Não surpreendia-as que o casamento tivesse acabado, nem as dificuldades que seu pai contara que tinham passado.
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Arely A Mensageira - The War I
Manusia Serigala"Você enfrentaria seus piores medos, se esse fosse o preço de sua sanidade?" Há milênios, a Guerra é travada. Uma Guerra que visa impedir que outro Inferno surja, devastando a vida e toda a criação. Por vezes, peças fundamentais à Guerra nascem entr...