Capitulo 9

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Se Kyoshi não queria contar a Rangi o motivo de ter praticamente destruído
o quarto, melhor para ela. Depois de ter vestido uma saia, uma blusa, de ter
calçado as botas e, de forma lenta e deliberada, ter colocado um cachecol
cobrindo-lhe com muito cuidado as orelhas, pegou o iPod em uma das malas e o prendeu no braço.

Sua tia Myst dera um nome especial para o aparelho: ITR, ou “iPod Tranquilizador de Rangi”, pois, sempre que ela se irritava ou zangava, ouvia música para “evitar conflitos”. Como se isso fosse uma coisa ruim.

Afinal de contas, se o seu ITR não fosse feito sob medida para momentos como aquele…

Rangi estava revoltada. No momento em que concluíra que aquela Lykae poderia até mesmo ser uma pessoa legal; no momento em que ela finalmente começava a entender a maneira certa de agir dentro daquele enigma alarmantemente insano, voltara a se comportar como um Lobo Mau para cima dela. Mas essa menininha de vermelho sabe muito bem como isolar os problemas no fundo da mente, pensou Rangi, e Kyoshi seguia a toda velocidade para um lugar onde ficaria esquecido e afastado de seus pensamentos para sempre.

A personalidade dela se modificava como um fogo rápido. Ela se alternava entre o abraço caloroso sob a chuva, quando apertara o peito dela contra o seu, passando pelos ataques com uivos apavorantes, até chegar a amante em potencial que Rangi conhecera dentro da banheira, na véspera. Kyoshi a mantinha sempre em um ponto de desassossego e desconfiança – um estado de espírito infeliz e fatigante para o qual ela já demonstrava uma tendência natural… e isso a deixava frustrada.

E agora aquilo. Ela a deixara naquele quarto destruído sem a mínima explicação. A própria vampira poderia ter ficado no estado em que estava a pobre cadeira.

Soprou a mecha que lhe caíra sobre os olhos e descobriu, atônita, um pedaço
de espuma de enchimento do colchão que ficara preso nos cabelos. Ao tirá-lo dali com raiva, percebeu que estava tão zangada consigo mesma quanto com Kyoshi.

Na primeira noite que tinham passado juntas, ela tinha deixado que o sol lhe
queimasse a pele. Dessa vez permitira que as garras – as mesmas garras que tinham rasgado a lateral de um carro – se descontrolassem num frenesi de
destruição enquanto a vampira dormia placidamente, alheia a tudo.

Por que ela superprotegera a si mesma durante toda a vida? Por que despendera tanto esforço nisso para depois jogar as precauções pela janela quando o assunto tinha relação com a Lykae? Por que sua família se esforçara tanto para mantê-la a salvo, a ponto de mudar o coven para Nova Orleans, onde a presença do Lore era tão forte, rica e marcante? Por que elas tinham envolvido a propriedade na escuridão completa para agora ela morrer de forma tão tola e…

Envolver a propriedade na escuridão completa?… Ora, mas por que elas
tinham feito isso? Rangi nunca se levantava antes do pôr do sol e nunca ficava acordada depois do sol nascer. Por que, então, tinha lembranças de correr pelo meio da casa escurecida durante o dia?

O olhar dela pousou nas costas da mão, e ela começou a tremer. Pela primeira vez, desde que fora condenada à imortalidade, a memória da sua “grande lição” lhe surgia na mente com toda a clareza…

Havia uma bruxa tomando conta dela. Rangi estava nos braços dessa mulher
quando ouviu Hei-Ran chegando de volta à propriedade depois de uma semana de ausência, e remexeu o corpo para se desvencilhar dos braços da babysitter. Gritando o nome de Hei-Ran, Rangi correu em sua direção.

Atuat a viu e ouviu a tempo, correu e a escondeu nas sombras segundos antes
de Rangi dar de frente com o sol que brilhava com força e entrava pela porta
recém-aberta.

Atuat apertou-a no peito com os braços tremendo e sussurrou:

– Por que você fez isso?

Com outro abraço apertado, murmurou:

Desejo Insaciável (Rangshi)Onde histórias criam vida. Descubra agora