Capítulo 34

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– Vim buscar Rangi – berrou Kyoshi, colocando-se na sombra da casa dela,
Val Hall, que parecia uma visão do inferno.

Apesar de o nevoeiro ser denso e nauseante, viam-se relâmpagos por todo lado, algumas vezes encurralados pelos muitos fios de cobre instalados ao longo do telhado e nos campos, outras vezes pelos carvalhos chamuscados que
pontilhavam o terreno. Hei-Ran saiu para a varanda nesse instante, parecendo um ser de outro mundo e de outra dimensão devido à fúria que a emoldurava como um halo, com os olhos irradiando um amarelo intenso, depois prata e novamente amarelo. Sobre seus cabelos voavam espectros que soltavam gargalhadas.

Naquele momento, Kyoshi não conseguiu decidir onde havia maiores doses de insanidade, se naquele pântano ou em Helvita. Nïx acenava alegremente de uma das janelas.

Kyoshi debateu-se para não revelar o quanto estava fragilizada. Adora
enfaixara-lhe os ferimentos com firmeza, mas seus membros estavam cada vez mais fracos. Kyoshi proibira Adora ou qualquer outra pessoa do clã de acompanhá-la a Val Hall, temendo que isso pudesse servir de estopim para uma guerra. Mesmo assim, sentia a presença deles na floresta ao redor.

– Esta noite, eu vou levar Rangi daqui.

Hei-Ran inclinou a cabeça de lado, como se procurasse vê-la melhor. Rangi fazia o mesmo, às vezes. Tinha aprendido esse gesto charmoso com aquela mulher.

– Eu nunca entregaria minha filha a um cão.

Ninguém tinha “sogras” daquele tipo.

– Então, troque-me pela minha irmã.

Korra rugiu em gaélico de algum lugar no interior da propriedade:

– Maldição, Kyoshi, acabei de chegar a esta casa.

– Vocês podem ficar com nós duas, se quiserem – propôs Kyoshi. – Deixem-
me, pelo menos, falar com ela. – a Lykae precisava ter certeza de que Rangi estava se curando.

– O Acesso vai acontecer em breve, e você nos propõe que aprisionemos a líder dos Lykae e também a sua sucessora?

Atuat correu e se colocou ao lado dela. Falou em inglês para advertir Hei-Ran,
mas usou expressões que Kyoshi não compreenderia, tais como “virar a proa
do barco para evitar o choque”. Em seguida, olhou para Hei-Ran e completou:

– Leve essa manobra até o fim.

Ouviu-se, então, a voz de Hei-Ran:

– Rangi tomou sua decisão quando regressou ao coven. Escolheu a nós, sem pensar duas vezes quando se viu ferida e assustada. Não escolheu você, Lykae.

A escolha de Rangi provocou-lhe uma dor terrível. A vampira não só decidira deixá-la, como também manter-se afastada dela. Mas que direito tinha Kyoshi de exigir alguma coisa depois do sofrimento que lhe infligira? Ela era a causadora da sua própria dor.

– Vou entrar ou vamos direto para a guerra?

Quero só ver se ela está se recuperando.

Hei-Ran olhou para além dela, perscrutando os campos, sem dúvida para avaliar quantos Lykae estariam espalhados por lá. Voltou a inclinar a cabeça, ergueu a mão para os espectros, e o caminho ficou livre.

Kyoshi avançou mancando pela propriedade sombria, notando a presença de dezenas de Valquírias encolhidas em poltronas, com as mãos nas armas, empoleiradas nos corrimões das escadas. A Lykae tentou não exibir espanto com a pura maldade que aqueles seres transpiravam. Pela centésima vez, ficou surpresa com o fato de Rangi ter sido criada ali.

Elas não prenderam Kyoshi. Será que desconfiaram que ela não iria machucá-las? Ou queriam que a Lykae as atacasse para poderem reduzi-la a pedaços? Apostava nessa última hipótese.

Desejo Insaciável (Rangshi)Onde histórias criam vida. Descubra agora