Capítulo 26

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Não olhe para trás, calce os sapatos no carro. Corra sem parar.

Foi o que ela fez. Seguiu diretamente para a enorme garagem, onde procurou, sem sucesso, as chaves dos muitos carros que havia ali. Sentiu-se frustrada. Então, ouviu vozes sussurrando-lhe ao ouvido, como se fossem pedaços de seda que roçavam no ar.

Corra!

Era o que ela tentava fazer! Mas não havia chaves. Voltou correndo e procurou pelo castelo por uma caminhonete de trabalho ou de entrega, pelo menos. Até uma porcaria de um trator serviria!

Foi então que parou, franziu os olhos e sentiu uma espécie de calor que vinha
de um ponto pouco acima do horizonte. Como num transe, ergueu a cabeça. Era
a lua cheia que nascia.

Ela sentia o luar. Como sempre imaginara que as pessoas sentiam o calor do sol.

Sua audição também estava muito sensível, coisas pareciam chamar por ela da floresta que ficava um pouco além. Rangi já tinha evitado aquele local escuro demais em suas caminhadas de exploração. A visão daquele lugar misterioso derrotara seu recém-encontrado senso de coragem.

Corra para lá!

Teve de lutar contra a urgência de se lançar direto na floresta que mais parecia um abismo. Certamente, Kyoshi a encontraria. Era uma caçadora, uma rastreadora. Era isso que a Lykae fazia. Não haveria chance de escapar por ali.

Mesmo assim, seu corpo parecia ansiar por uma batalha e por um desafio como aquele, como se sentisse falta da sensação de correr para dentro de uma
floresta na qual nunca estivera. Será que tinha enlouquecido a ponto de pensar nisso?

Corra!

Com um grito, tirou os sapatos e obedeceu ao instinto, deixando para trás a propriedade e uma Lykae que iria acordar furiosa a qualquer momento. Mergulhou por entre as árvores e percebeu que conseguia enxergar bem. Sua capacidade de ver na escuridão, que era boa, estava ainda mais apurada.

Mas por que estava vendo melhor? Será que o sangue da Lykae a afetara tanto assim? Ela ingerira muita quantidade. Sabia que os Lykae conseguiam ver tão bem à noite quanto de dia.

Cheirou o solo da floresta, a terra úmida, o musgo. Conseguiu sentir o odor até mesmo das pedras umedecidas pelo orvalho. Aquilo era de provocar vertigens. Sentiu-se balançar para frente, mas os pés se mantiveram firmes no chão, como se já tivessem percorrido aquele caminho mais de mil vezes.

Os aromas, o som da sua respiração, a batida do coração, o vento lhe acariciando o rosto… o paraíso. Aquilo era como o paraíso.

Então, percebeu algo novo. A corrida era como um afrodisíaco, e cada passada fazia vibrar seu corpo como se fosse uma deliciosa carícia. Escutou o rugido furioso da Lykae ecoando como se estivesse a quilômetros de distância dali, ainda na propriedade, e pareceu sentir estremecer aquele mundo de sombras à sua volta. Ao ouvi-la perseguindo-a, Rangi sentiu necessidade de se libertar. Não temia o que Kyoshi pudesse lhe fazer quando a apanhasse, simplesmente se mantinha
na expectativa disso. À medida que a Lykae se aproximava, ela ouvia com mais intensidade a batida do coração de Kyoshi. Mesmo fatigada e enfraquecida, a Lykae vinha direto em sua direção.

Kyoshi seria capaz de caçá-la eternamente.

Rangi sabia disso como se ela tivesse acabado de lhe dizer. Iria buscá-la, reclamar seu direito de posse sobre ela e nunca a deixaria partir. Era isso que os da sua espécie faziam.

Agora você pertence à espécie dela, sussurrou-lhe a voz misteriosa em sua
mente. Não! Ela não iria desistir de fugir.

Uma fêmea ômega Lykae certamente teria se deixado capturar. Ficaria à espera dela nua, deitada na relva ou encostada a uma árvore com os quadris lançados para a frente e os braços por sobre a cabeça, deleitando-se com o fato de ser sua presa e antecipando com muita empolgação a ferocidade de Kyoshi.

Desejo Insaciável (Rangshi)Onde histórias criam vida. Descubra agora