Capítulo 13

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Agosto de 2020
Vitória, Brasil

Giulia entrou mais uma vez pelo portão da entrada do campus. Em sua frente, surgia, imponente, o prédio principal, onde, nos últimos três anos e meio, costumava ter aula.

Seria a última vez que entraria iniciando um período. Oitavo período. Isso queria dizer que em menos de 4 meses estaria formando e o pior: teria que ter passado em todas as matérias.

Não eram muitas. O problema estava na quantidade de coisas que sua rotina tinha. Toxicologia, Hematologia Clínica, TCC II e estágio supervisionado II. Isso, óbvio, pensando que além das matérias, teria que terminar o próprio TCC, terminar o período de estágio obrigatório e a monitoria que prestava para o sexto período, na matéria de Microbiologia Clínica.

A garota tinha feito estágio no quinto e sexto período na área que era monitora e, ainda bem, pensava Giulia, já tinha uma habilitação nessa área. Por mais que não fosse o que mais se interessava, a menina não excluía essa possibilidade e tinha muito orgulho do que conquistara.

E agora, no último período, conseguiria uma habilitação em Genética. Foi difícil conseguir o estágio. Além de uma área super rara na cidade, muitas pessoas estavam desejando as duas vagas disponíveis. Felizmente uma acabou por ser de Giulia depois de um intenso processo seletivo e a garota não poderia estar mais que radiante por trabalhar em um grande laboratório com um setor destinado à pesquisas na área da Genética. Tanto sua área de trabalho quanto seu TCC coincidiam: doenças hereditárias e seus fatores genéticos. De forma geral, seus estudos iam para área de mapeamento genético, coisa que, possivelmente, a levaria para fora do país.

Sempre foi assim. Giulia nunca teve barreiras, diferente de suas duas irmãs - uma mais velha e uma mais nova -, que sempre foram mimadas pelos pais e não queriam abandonar as mordomias.

Por algum motivo tudo era diferente com ela. Seus pais mudavam quando qualquer assunto sobre Giulia estava em questão. Eram mais largados, como se não se importassem com a menina, mas ao mesmo tempo mais chatos, querendo a todo custo controlar a garota. Giulia não sabia o porquê, mas sempre se sentiu desconfortável.

Será daí o motivo de desejar tanto uma pós no exterior? Tudo o que queria era ficar livre daquele lugar. Ela recebia no estágio, mas não era muito. O suficiente para o que precisasse no dia-dia e para acumular uma quantia para essa viagem dos sonhos, afinal o dinheiro do que quisesse saía sempre dela.

Nunca lhe fora dado a mesma quantia que suas irmãs recebiam. Nunca sentiu orgulho vindo dos pais. Nunca recebeu um "te amo" ou um beijo antes de dormir. Pelo menos não depois dos 7 anos, quando parou de pedir.

Mas sabia como os pais eram. Afinal, uma ocupada advogada e um empresário diretor do setor de vendas em uma das maiores empresas do estado não tinham tempo para nada. Nada além das irmãs, era o que Giulia às vezes pensava, mas, felizmente, aprendeu a não se importar mais.

Ela se bastava. O que sentia bastava para ela.

E foi com esse pensamento que a garota entrou no prédio, indo para o laboratório de Hematologia. Encontrou no caminho Camila e Pedro, seus dois confidentes desde o primeiro período.

Camila Vieira Caetano uma linda preta de cabelos escuros e cacheados, pelos quais Giulia sempre fora apaixonada. Seus olhos pretos eram grandes e profundos e sua altura a deixavam semelhante a uma modelo. Ela estagiava numa clínica de estética, profissão que queria seguir e que, para os amigos, era feita para ela. Super vaidosa e elegante, digna de uma esteticista, Pedro costumava falar.

E o que falar de seu amigo? Giulia compartilhava com ele a paixão pela pesquisa, mas Pedro seguiria a área de Bioquímica. Era um menino alto, moreno por causa do bronze acumulado das férias recém-acabadas, que depois de um tempo resultaria em uma pele morena-amarelada. Tinha olhos verdes cobertos por um par de óculos e um sorriso super acolhedor. Pedro Martins Santana era uma das pessoas mais bondosas que Giulia já havia conhecido.

E por fim tinha ela, Giulia Andrade Monteiro. Era a mais baixa dos três, de pele clara, cabelo castanhos claros e olhos um pouco mais escuros. Bem sem graça, como a própria garota costuma dizer. Giulia não gostava de seu próprio corpo. Apesar de Pedro e Camila reforçarem o quão bonita a menina sempre foi, ela não concordava.

E o trio sempre andou unido. Era raro ver um deles sem os outros atrás. E eles sabiam que não era dependência ou arrogância. Eles se tornaram confidentes em tudo, eram a âncora um do outro, como uma família. Por isso estavam sempre juntos.

Estar com os amigos passava à Giulia uma sensação de lar maior do que estando em casa, e era por essa causa que a menina sempre amou passar muito tempo na faculdade. Com aulas de manhã e à tarde fazendo o que quisessem.

Esse era mais um dia daqueles. Apesar de ser primeiro dia, eles já tinham planejado tudo: de manhã aula, almoçariam juntos e iriam para o estágio. Depois Pedro passaria de carro para pegar as duas meninas que iam dormir na casa dele, para conversarem e estudarem. Isso era mais comum que pensavam e Giulia amava isso.

Era o que a fazia bem. Eles a faziam bem.

Eles eram as únicas pessoas que a garota sentia ter e confiar. Era bom não ser sozinha mais. E ela sentia que nunca mais precisaria ficar solitária, mesmo com a faculdade já acabando.

Ela não sabia como, mas tinha certeza disso.

Life Changes - Charles LeclercOnde histórias criam vida. Descubra agora