Folga

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— Sakura onee-chan — assim que abro a porta do quarto, sou recepcionada com a euforia de sempre daquele que torna meus dias incrivelmente mais coloridos. —, eu fiz um desenho nosso. — ele diz pulando no meu colo.

— Sério mesmo? — pergunto surpresa. — Vai me mostrar? — Raijin assente diversas vezes antes de pedir para descer. Coloco-o no chão e ele corre para trás da sua cama.

As roupas que a enfermeira que reveza comigo escolheu para ele hoje — agora que Ino não pode mais virar plantões e me dar o suporte de antes — não me agradam nem um pouco.

— Vem! — me chama, apontando para o espaço entre a parede e a sua cama. Caminho até lá ciente da bagunça que vou encontrar.

Raijin não mediu esforços na sua obra e posso afirmar isso pelo uso de várias cores ao fazê-lo. Observo o desenho com claros traços infantis e tenho um pouco de dificuldade para entender, por isso forço um pouco a minha visão, ignorando totalmente o fato de que Raijin utilizou a parede branca do hospital para a sua experiência artística.

— Você disse que é um desenho nosso. — ele assente. — Então são pessoas, certo? — arrisco perguntar e ele balança a cabeça positivo e alegremente, eu sento na sua cama para ter uma visão mais detalhada do desenho. Aponto para o bonequinho que possue alguns rabiscos rosas na cabeça. — Essa sou eu?

— Sim. — ele se aproxima e aponta para o outro bonequinho menor que está, provavelmente, não tenho certeza, de mãos dadas comigo. — E esse é o Raijin. — revela um pouco envergonhado. Ele é uma gracinha.

— Ficou lindo, meus parabéns. — afago seus cabelos já grandes demais para o meu gosto, ele sorri em resposta. — Mas não quer incluir mais pessoas aí, não? Há espaço de sobra. — ele fica pensativo por alguns segundos.

— Mamãe e papai? — o sorriso abandona o seu rosto e ele encara os pés, tirando do bolso um giz de cera da cor verde.

— Sim, tenho certeza de que eles ficarão muito felizes com seu desenho.

Eu sei que é muito difícil para ele lidar com a morte precoce dos pais. Raijin é somente uma criança que foi submetida a uma crueldade sem medidas. Mesmo eu, ao perder meus pais no final da minha adolescência, ainda não consigo lidar tão bem com a partida. Mas sei que esse garotinho na minha frente é muito forte e me prova isso a cada dia mais.

— E a Misa? — percebo que estava divagando e desperto com a pergunta do pequeno, ele encara o leito atrás de mim e sigo o seu gesto.

— Ela também ficará muito feliz. — sorrio por ele considerar tanto Misaki ao ponto de querer incluí-la em sua arte infantil.

— Mas ela só dorme. — me viro para ele novamente, sua face é de aborrecimento e me divirto às custas da sua inocência.

— Porém um dia ela irá acordar e vocês serão grandes amigos e farão muitos desenhos juntos. — minhas palavras o animam e ele torna a sorrir por um momento, porém logo a confusão ganha a sua face e ele pende um pouco a cabeça para o lado, encarando novamente o leito de Misaki com um bico nos lábios.

— Eu não sei como são os olhos dela, estão sempre fechados. Como vou desenhar?

— Isso é bem simples de se resolver. — aos risos, seguro a mãozinha que ele carrega o giz de cera verde e a ergo até o meu rosto. — Eles são assim que nem os meus, olha. — abro mais os meus olhos e ele ri. — Verdes, muito verdes. Porque eu sou a mãe dela e ela tinha que herdar pelo menos algum traço meu. — agora é a minha vez de fazer bico e Raijin é quem afaga o meu cabelo.

O envolvo em um abraço e o puxo para o meu colo lhe fazendo cócegas na barriga, o som da sua gargalhada se espalha no ambiente.

— Vou fazer... o aniki também. — Raijin diz ainda rindo, eu faço uma pausa para olhá-lo.

Através do tempo - Kakasaku Onde histórias criam vida. Descubra agora