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O acampamento foi frio e desanimado. Com a ausência de fogo, fora as rações duras e sem gosto de viagem, nenhum de nós tinha o ânimo para iniciar uma conversa. Halt se ofereceu para o primeiro turno da guarda, enquanto eu, Will e Gilan nos enrolamos em nossas capas para dormir.

Não tive um sono agradável. A atmosfera sombria da Planície, acompanhada pelo som deprimente das Flautas de Pedra, fez com que meus sonhos fossem povoados pelos Kalkaras. Depois de tantos anos, as imagens ainda eram vívidas para mim. Os olhos vermelhos hipnotizantes, as garras afiadas, até o som de seu rosnar. Eu os via da mesma forma que vira da última vez, com raiva em seus olhos, prontos para atacar. Eu ouvia gritos, e havia sangue por toda a parte.

Acordei com o toque de Will, e tive uma rápida reação em buscar o cabo da minha faca de caça. Meu coração estava disparado, e precisei de alguns segundos até perceber que não havia nenhum perigo. Reprimi a mim mesma mentalmente: fazia muito tempo desde a última vez que eu tivera uma reação sem pensar como aquela. 

Will, de início assustado com minha reação agressiva, se acalmou ao ver eu respirar fundo e me levantar. Sabendo que era minha vez de assumir o turno da guarda, disse à ele que voltasse a dormir, e me dirigi até o arbusto que Halt e Will tinham usado como ponto de observação. Abaixei meu capuz sobre o rosto, e mantive duas flechas em minha mão, para o caso de eu precisar atirar rapidamente. Eu iria segurá-las durante as três horas de vigília, e me manter completamente parada.

Apesar do alívio inicial ao ser acordada e deixar meus sonhos sombrios de lado, a vigília acabou se mostrando ainda pior. Eu nunca tivera problemas com isso antes, mas naquela situação em específico cada menor som fazia com que eu me arrepiasse, imaginando as figuras escuras dos Kalkaras vagando pelas sombras. Mesmo assim, respirei fundo, e deixando as imagens terríveis de lado, deixei que meus longos anos de treinamento controlassem minhas reações, e ao mesmo tempo acalmassem minha mente.

As três horas do meu turno pareceram se arrastar. Cheguei até mesmo a questionar se eu não perdera a noção do tempo, e acabara ficando ali mais tempo do que deveria, mas a posição da lua indicava o contrário. Esperei pacientemente a meia hora restante, e não pude deixar de soltar um suspiro de alívio quando finalmente me levantei para passar o turno para Gilan.

...

Na metade da manhã seguinte, finalmente conseguimos ver as Flautas de Pedra. Eram um círculo cinzento e surpreendentemente pequeno de monólitos de granito que estavam no alto de uma elevação na planície. O caminho que tínhamos escolhido nos levou a cerca de um quilômetro de distância das pedras, fazendo com que seu canto sombrio ficasse mais alto do que nunca.

- Vou partir em dois o lábio do próximo flautista que eu encontrar - Gilan disse com um sorriso sombrio.

Nós continuamos nosso caminho silenciosamente, o peso do som das Flautas muito alto para que eu pudesse relaxar. Eu me sentia inquieta enquanto cavalgávamos hora atrás de hora, nos afastando cada vez mais do som sombrio.

De repente, vimos um movimento. Observei com um sobressalto, enquanto um homem da planície surgiu do meio da grama, a pelo menos cinquenta metros de distância. Pequeno, vestido com trapos cinza e com cabelos compridos despenteados caídos nos ombros, ele nos encarou com olhos enlouquecidos por vários segundos, sem proferir uma única palavra.

E então, tão rapidamente quanto tinha surgido, ele desapareceu novamente, correndo pela grama, parecendo mergulhar dentro dela. Tanto eu, quanto Gilan e Halt já tínhamos flechas prontas nas cordas de nossos arcos, mas não atiramos. Halt considerou inicialmente colocar Abelard para perseguir o homem, mas desistiu da ideia.

- Pode não ser nada - o arqueiro disse, dando de ombros - Ou talvez ele tenha corrido para contar aos Kalkaras. Mas não podemos matar um homem só por desconfiança.

A Ordem dos Arqueiros - Arqueira do Rei ➀Onde histórias criam vida. Descubra agora