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Partimos pouco depois, enquanto os outros arqueiros recebiam ordens de Crowley. Mobilizar o exército de Araluen não seria uma tarefa insignificante, e os arqueiros deveriam coordená-la e depois estar preparados para guiar as forças individuais dos 50 feudos para o ponto de reunião nas planícies de Uthal. E comigo, Halt e Gilan designados para ir atrás dos Kalkaras, outros arqueiros ficariam responsáveis por organizar as forças de nossos feudos.

Halt nos guiou para o sudeste. Nós cavalgávamos em silêncio, e mesmo Will, normalmente cheio de perguntas para fazer, parecia quieto, pensando na enormidade de nossa tarefa. 

Nós estávamos viajando no ritmo da marcha forçada dos arqueiros: quarenta minutos na sela, cavalgando num galope regular, e depois vinte minutos a pé, conduzindo os cavalos e permitindo que viajassem sem carga, enquanto corríamos num passo uniforme. A cada quatro horas, nós parávamos  para uma hora de descanso, quando fazíamos uma refeição rápida de carne seca, pão duro e frutas, e então nos embrulhávamos em nossas capas para dormir.

Depois de algum tempo porém, Will pareceu finalmente ficar entediado com os pensamentos sobre nossa missão.

- Halt - ele perguntou - onde você espera encontrar os Kalkaras?

Halt encarou o aprendiz, e nos guiou para fora da estrada, para o abrigo de um pequeno bosque, decidindo que era hora de descansarmos um pouco.

- O melhor - Halt disse, finalmente respondendo à pergunta de Will - é começar a procurar na toca e ver se eles estão nas vizinhanças.

- E sabemos onde essa toca fica? - Gilan perguntou.

- Nossos espiões acham que fica em algum lugar na Planície Solitária, além das Flautas de Pedra. Vamos investigar essa região e ver o que encontramos. Se eles estiverem por ali, certamente vamos descobrir que uma ou outra ovelha ou cabra está faltando nas vilas da vizinhança. Conseguir que os moradores falem vai ser outro problema. Os habitantes das planícies são as pessoas mais fechadas de todos os tempos.

- O que é essa planície de que vocês estão falando? - Will perguntou - E que raios é uma Flauta de Pedra?

- A Planície Solitária é uma área grande e plana. Tem muito poucas árvores e é coberta principalmente por massas rochosas e capim alto - Halt contou para ele. - Parece que o vento está sempre soprando, não importa a época do ano em que você vá para lá. É um lugar triste e deprimente, e as Flautas de Pedra são a parte mais sombria de lá.

- Mas o que são... - Will começou, mas Halt tinha apenas feito uma pausa.

- As Flautas de Pedra? Ninguém sabe realmente. Elas são um círculo de pedras formado pelos antigos, inserido no meio da parte mais ventosa da planície. Ninguém descobriu qual seu verdadeiro objetivo, mas elas estão arranjadas de modo que o vento é desviado ao redor do círculo e atravessa uma série de buracos nas próprias pedras. Elas criam um som constante e agudo, mas não tenho ideia de por que alguém achou que o som se parece com o de flautas. O barulho é misterioso e desafinado e pode ser ouvido a quilômetros de distância. Depois de alguns minutos, você começa a ficar arrepiado, e ele continua por horas e horas.

Will estremeceu visivelmente. Eu olhei à distância, como se já pudesse ver as pedras ao longe. Halt por sua vez, deu um tapinha encorajador no ombro do aprendiz.

- Se alegre - ele disse - Nada costuma ser tão mal quanto parece. Agora, vamos descansar um pouco.

...

Chegamos aos arredores da Planície Solitária dois dias depois, mais ou menos ao meio-dia. Era basicamente o que Halt tinha descrito: um lugar grande e deprimente.  A área se estendia por vários quilômetros e era coberta por um capim alto e cinzento, ressecado pelo vento constante. O vento parecia quase um ser vivo. Ele era irritante, soprando contínua e invariavelmente do oeste, dobrando o capim alto à sua frente, varrendo o terreno achatado da Planície Solitária.

- Agora vocês estendem por que ela é chamada de Planície Solitária? - Halt perguntou - Quando você sai cavalgando nesse maldito vento, tem a sensação de que é a única pessoa viva que resta na face da Terra.

- Um lugar realmente adorável, Halt - eu disse, com ironia.

O vazio da Planície era perturbador. Fazia com que nos sentíssemos pequenos e insignificantes, sensação que era maior ainda pelo fato de que a planície parecia sugerir a presença de forças ocultas, muito maiores que nossas habilidades. Até mesmo Gilan, normalmente alegre e entusiasmado, parecia afetado pela atmosfera do lugar. Will estava estranhamente quieto, enquanto Halt apenas mantinha sua expressão habitual. 

Will se mexia na sela, incomodado. Eu sabia o que ele estava sentindo, pois eu sentia o mesmo, assim como Gilan e Halt. Era algo estranho, e perturbador, embora não se pudesse distinguir exatamente o que era. Uma sensação, presa no fundo de minha mente. Imediatamente percebi o que isso significava.

Will ficou em pé nos estribos, na esperança de encontrar a fonte daquilo.

- Você sentiu - Halt disse, percebendo o movimento - São as Pedras.

E assim que ele falou, ficou claro que se tratava de um som, tão leve e contínuo que mal podia ser isolado. Um som que criava uma sensação de inquietação e medo, e fazia com que meu estômago se apertasse. Era uma série de notas musicais desafinadas tocadas ao mesmo tempo, mas criando um som áspero e desarmonioso que irritava os nervos e perturbava a mente.

Nós continuamos a viagem durante toda a tarde, mas mesmo assim eu tinha a impressão de que não avançávamos. A Planície se estendia muito longe, fazendo com que tudo parecesse exatamente igual. O único sinal que tínhamos de que estávamos chegando a algum lugar era o ruído desafinado das Flautas de Pedra, que ficava mais alto a cada minuto. O som era quase insuportável, e me deixava ansiosa.

Quando o sol finalmente começou a se pôr, Halt parou Abelard.

- Vamos passar a noite aqui e descansar - ele disse, e eu suspirei, agradecida - É quase impossível manter um ritmo constante no escuro. Sem características marcantes no terreno que nos ajudem a estabelecer uma rota, poderíamos facilmente acabar andando em círculos.

Nós desmontamos, todos parecendo aliviados. Will imediatamente se moveu para procurar lenha entre os arbustos secos que cresciam na planície, mas Halt o impediu.

- Nada de fogo - ele determinou - Vão nos ver a quilômetros e não temos ideia de quem possa estar vigiando.

Will parou, deixando o pequeno feixe que carregava cair.

- Você está falando dos Kalkaras? - ele perguntou.

- Eles, ou o povo da planície - Halt respondeu, dando de ombros. - Não podemos saber com certeza se alguns deles são aliados dos Kalkaras. Afinal, vivendo tão próximos dessas criaturas, podem acabar cooperando com elas apenas para garantir sua segurança. E não queremos que eles espalhem que há estranhos na Planície.

Gilan estava tirando a sela de Blaze. Ele largou-a no chão e esfregou o pelo do cavalo com capim seco.

- Você não acha que já fomos vistos? - ele perguntou.

- É - eu completei, confusa - Não é como se tivéssemos tentado esconder nossa presença o dia todo.

Halt pensou um pouco antes de responder.

- Talvez sim. Há muitos fatos que desconhecemos, como onde fica realmente a toca dos Kalkaras, se o povo das planícies é ou não seu aliado, se um deles nos viu ou não e informou nossa presença. Mas, até sabermos que fomos vistos, vamos fazer de conta que não fomos. Portanto, nada de fogo.

Nós concordamos, relutantes.

- É claro que você tem toda a razão - Gilan disse, relutante - É que eu ficaria feliz em matar alguém por uma xícara de café.

- Acenda o fogo para coar café - Halt respondeu, sombrio - E isso pode ser a última coisa que vai fazer.


A Ordem dos Arqueiros - Arqueira do Rei ➀Onde histórias criam vida. Descubra agora