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Eram os últimos dias do outono e a pouca luz que atravessava as nuvens vermelhas de Bloodstate parecia escorrer por entre a folhagem dos altos pinheiros como os fios quebrados de uma marionete triste. A névoa espessa vinda do Lago Congelado dificultava a visão de qualquer um que se aventurasse pelo meio daquela floresta silenciosa, fria e sombria. Mal se ouvia a respiração de uma pequena garota de cabelos tão escuros quanto a própria noite, pele pálida como a névoa e de olhos púrpuras como ametistas recém polidas. Ela caminhava silenciosamente pela terra úmida, já acostumada com a baixa visibilidade daquela região. Empunhava em seu cinto de couro uma faca prateada pequena demais para pessoas comuns, mas do tamanho perfeito para uma garota daquela idade.

Seus olhos preocupados buscavam o momento certo de agir. Após conseguir subir em um dos pinheiros e se esconder por entre as folhas ela esperou pelo o que pareceram horas. Seus pés doíam e farpas da madeira entravam em suas mãos, mas havia um motivo maior para ela estar ali, e não abriria mão de seu posto até ter o que queria.

Foi então que ela ouviu.

Alguns metros abaixo, as folhas anteriormente posicionadas por ela agora farfalhavam. Aquele foi seu sinal. Um cervo que caminhava por ali, provavelmente o último que veria antes do inverno, acabara de pisar sobre sua armadilha. Ela então pulou da árvore com destreza até o pescoço do animal e fincou a faca sem muita dificuldade, ceifando a vida de sua presa.

A comida era escassa e ela era a única apta a sair de casa para caçar naquela última semana. Seu mestre havia perdido a perna em batalha, e seu irmão estava tão machucado que não conseguia levantar da cama, correndo risco de vida. Restara a uma criança de dez anos ir atrás de alimento para os três, mas ela estava preparada para isso, a vida nunca foi justa com seu povo e muito menos com sua família.

Com muita dificuldade ela carregou o corpo do cervo por entre a floresta. Ele era pesado e o sangue ainda escorria da ferida em seu pescoço, mas, por mais que ela precisasse voltar para casa rápido, ainda havia algo que ela precisava daquele lugar, e sabia bem onde encontrar.

A garotinha seguiu por entre a névoa até uma clareira no meio da floresta para um lugar que mais parecia um sonho. Com uma enorme árvore no meio e rosas brancas que estranhamente cresciam pelo chão. Ela soltou o cervo e colheu algumas rosas para levar consigo, tentando ignorar os espinhos que lhe perfuravam os dedos. Caminhou lentamente por conta do peso do animal, que estava sendo obrigada a arrastar devido ao tamanho. O caminho parecia interminável, mas a fumaça negra que subia por entre as árvores lhe mostrava que estava perto de sua casa.

Roseville era um lugar que não se podia chamar de lar, apenas de abrigo. Era um local simples com diversas cabanas de madeira acabada se erguendo em forma de U em volta de uma enorme fogueira, agora acesa para aquecer seus moradores. O vilarejo fora escondido por entre as árvores e protegido por magia de essência de magnólia, uma flor cujo néctar, se bem usado, tem o poder de ocultar coisas, lugares e pessoas.

Todos estavam tão inertes em conversas paralelas ao redor da fogueira que mal perceberam a pequena criança arrastando o cervo para trás de uma das cabanas. Ela subiu os três degraus que davam até a porta e bateu em uma sequência que só a família conhecia. Ouviu as trancas rangerem do lado de dentro e logo a porta foi aberta.

— Entre Aly, está frio aí fora. — A voz rouca de Cahan reverberou nos ouvidos da pequena Alycia.

Quando ela entrou, seu mestre logo fechou a porta e Alycia pôde sentir então o familiar calor da forja de Cahan preencher o ambiente. O chalé, por fora, parecia menor do que realmente era. À esquerda da porta ficava a forja, onde diversas armas prontas eram penduradas pelas paredes escuras enquanto outras não finalizadas estavam em barris ou sobre a bancada. À direita haviam duas camas, uma de cada lado do cômodo, com um espaço estreito entre elas onde uma escada de madeira subia para uma escotilha no teto. O fogo crepitava numa lareira que era usada para aquecer os metais, deixando todo o interior do chalé com uma luz cálida alaranjada.

A Rosa de SangueOnde histórias criam vida. Descubra agora