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Ao longo dessa história que eu chamo de vida já passei por muitos momentos considerados desconfortáveis e até mesmo aterrorizantes, mas nada se comparava à sensação de me sentir uma traidora. Sei que nunca disse a Levann que não o entregaria, mas depois de tantas semanas em que ele pareceu ser a única pessoa que me entendia e prezava por minha companhia eu comecei a considerá-lo um amigo, um companheiro de equipe.

Vê-lo algemado mais uma vez – mesmo que com seu consentimento – foi de partir o coração. Eu pilotei Blackjack pela primeira vez aquele dia, deve ter sido difícil para ele ver seu melhor amigo mais uma vez algemado e a caminho de ser entregue ás garras do rei. Para nossa sorte Levann havia conversado com Blackjack antes de partirmos, para que não houvesse o risco da águia sair do curso por conta própria.

Por mais que o castelo Klaus estivesse logo atrás da cordilheira das montanhas de diamante o caminho pareceu longo. Embora eu soubesse que um único par de algemas não sofreria efeito sobre Levann, queríamos fazer os outros membros da Ordem acreditarem que sim. As aparências eram tudo o que tínhamos para fazê-los confiar que Levann não fugiria e para deixá-los mais confiantes para a possível batalha que teríamos de enfrentar.

Eu suspirei ao pensar nisso. Vidas que poderiam ser perdidas ao mínimo descuido... Se o treinamento que eu e os outros capitães fizemos não fosse o suficiente toda essa legião de soldados à minha volta seria dizimada. Dapher não teria misericórdia se recusasse a oferta de trocar Levann pelo encerramento da guerra.

Muitos sofrem todos os dias com ataques vindos do cruel exército de Bloodstate, assim como roxos e vermelhos sofrem ataques de Jaya mesmo desejando estar fora desse jogo de reis. Mas não há para onde correr quando o mundo inteiro está em guerra pela honra, pelo poder... Ah, como os deuses fazem falta nessas horas. O Berserker Lendário - que nas lendas era chamado para resolver conflitos armados da humanidade – não existia. Eram apenas histórias de crianças para nos fazer andar na linha, para impedir que guerreássemos.

Mas agora, depois de dez anos de conflito, as esperanças de que alguém viria magicamente resolver as coisas já era extinta. Não há para onde fugir, não há o que fazer. A guerra está a sua porta e você precisa lutar.

Se não por você, pelos que estão ao seu lado.

— Já decidiu se vai chorar ou se vai finalmente sorrir no meu enterro? — Levann perguntou de trás de mim, e eu quase pude sentir o seu sorriso.

— Tem certeza de que você era um príncipe? — Questionei, sem tirar os olhos do horizonte.

— Como assim? Claro que eu era. — Ele se inclinou para poder ver meu rosto.

— Cuidado pra não roubar o cargo de bobo da corte.

Ele soltou uma risada irônica.

— Se eu tiver que disputar o cargo com você eu perco, com certeza.

Queria poder sorrir, talvez aquela fosse a última piada que eu iria ouvir saindo da boca de Levann. Seu senso de humor com certeza faria falta.

— Ei Aly. — Ele me chamou, me tirando de meus pensamentos mórbidos. — Por que o pinheiro não se perde na floresta?

— O que? — Perguntei, sem entender porcaria nenhuma.

— Por que o pinheiro não se perde na floresta? — Ele repetiu, como uma criança ansiosa para contar a piada do século.

— Porque pinheiros não andam. — Eu continuei focada em guiar Blackjack pelo caminho.

— Não, porque ele tem uma pinha. Entendeu? Um mapinha.

Eu lentamente lancei um olhar de desaprovação a ele por cima de meu ombro.

Retiro tudo o que eu disse, eu quero descer. 

A Rosa de SangueOnde histórias criam vida. Descubra agora