Eu segurava Levann pelo braço como se ele fosse um prisioneiro. Bom... tecnicamente ele era, mas confesso que ainda era estranho para mim aceitar que nós, de fato, havíamos conseguido capturá-lo. Por que depois de tantos anos ele havia decidido dar as caras? Será que ele estava mesmo me monitorando como Lucian havia me dito? Não, não acho que ele fosse tão psicótico ao ponto de perseguir a irmã mais nova, deve haver outra explicação. Eu tinha tantas perguntas.
E o silencio dele enquanto subíamos as escadas estava me tirando do sério.
O caminho era longo até o último andar da torre Klaus, subíamos por uma escada em caracol em uma passagem estreita iluminada por lampiões de luz condensada. Por vez eu e Levann esbarrávamos entre um degrau e outro, o que estava começando a me estressar.
— Francamente, você não consegue andar no seu próprio espaço? — Esbravejei, e ele ficou claramente magoado, pois passou a tomar muito cuidado para não esbarrar mais em mim.
O que eu estava fazendo? Descontar minhas frustrações em Levann não iria trazer minha mãe de volta, ela mesma já havia dito que escolheu aquele caminho, então o que eu poderia fazer além de aceitar como as coisas seriam daqui para frente? Depois da execução eu não mais veria minha mãe e nem Levann, mas... já era assim a dez anos, então por que agora aquilo não mais parecia a coisa certa a se fazer?
Balancei a cabeça para tirar aqueles pensamentos covardes de minha mente. Não era hora de fraquejar.
— Você está... diferente. — Disse Levann cabisbaixo. — Não a culpo, mas... você pode voltar a ser você mesma, as coisas vão melhorar a partir de agora.
Eu cerrei os dentes e parei de subir a escada. Eu e Levann éramos quase da mesma altura, então pude olhar diretamente em seus olhos ao falar com ele.
— O que você sabe sobre o que vai acontecer daqui pra frente? Você não se importa o suficiente pra saber como estão as coisas dentro de casa. — Eu não pude evitar, eu desviei o olhar, vacilei. Droga.
Ele falhou algumas vezes em tentar dizer algo, então ele apenas sorriu de canto, com tristeza profunda no azul de seus olhos.
— Eu me importo. Eu queria, mas não podia voltar.
Eu fiquei em silêncio por alguns segundos. Seus olhos me transmitiam verdade, profundidade e ternura... me lembravam daquele Levann de dez anos atrás, o irmão que eu tanto amei. Mas agora... ele não era mais o mesmo. Eu o odeio.
Ou... eu só quero odiá-lo?
Voltei a leva-lo pelo braço por mais alguns degraus acima, mas me contive por um momento e voltei a encarar aquele fantasma do meu passado, que transbordava culpa, dor e contentamento. Ele não resistiu um segundo sequer, como se quisesse ser morto, como se já tivesse desistido. Como ele podia ser tão fraco mentalmente? Ele não luta pela própria vida, como poderia lutar pela vida de alguém que se importa? Por isso ele deixou minha mãe morrer? Por ele ser fraco assim?
— Levann. — Chamei, e ele voltou os olhos curiosos para mim. — Essa é sua chance de me contar o que aconteceu. E eu espero que não me esconda nada.
Ele pareceu confuso a princípio, e demorou um pouco antes que começasse a falar, como se estivesse se consultando com Sarah antes de jogar uma bomba em meu telhado.
E ele realmente jogou. Levann se recostou na parede e, após eu soltá-lo e me apoiar na parede contrária, ele me contou sobre as trevas detalhadamente, de onde surgiram, o que elas faziam com seu corpo e como Sarah tentou ajuda-lo, abrindo mão de seu corpo físico para manter sua consciência dentro do filho, afim de protege-lo das trevas de Gênesis. Levann me contou também sobre a conversa a sós que teve com aquela coisa, que ele chamava de parasita. Ele quis me mostrar que as coisas agora, aparentemente, estavam sob controle e quis me mostrar, mas eu contive. Não quis brincar com a sorte, principalmente com algo que parecia tão perigoso.
A princípio, eu duvidei de sua história, mas Sarah a confirmou e... deuses, como eu sentia falta de ouvir a voz de minha mãe.
Após alguns longos segundos de reflexão - em que eu confesso ter contido lágrimas -, eu me desencostei da parede de pedra da escadaria e virei as costas para Levann, sem a intenção de leva-lo pelo braço dessa vez.
— Não foi justo o que vocês fizeram... Eu... eu fiquei sozinha, esse tempo todo. — E voltei a subir, com os olhos marejados.
Uma simples escadaria não poderia ser mais longa, mas, após muito silêncio, finalmente chegamos ao topo. Levann respirava ofegante com o cansaço, já eu fingia muito bem, mas a vista á nossa frente com certeza deixou nós dois sem fôlego.
— Não... NÃO! ISSO NÃO! — Levann gritou, enquanto eu fiquei paralisada e perplexa perante a cena mais macabra que há havia presenciado depois da morte de Sarah... pois eu estava revendo-a.
A poucos metros, envolta em diamante, posta de pé e com a coroa de rosas brancas lhe cobrindo os olhos estava o corpo sem vida de Sarah Klaus, guardado no topo do castelo da família por tantos anos. Ela vestia aquele vestido branco que ela tanto amou em vida, com a pele pálida e lisa como porcelana, as mãos cruzadas sobre a barriga com adereços dourados se entrelaçando por seus dedos finos e elegantes. Ela estava conservada ali em cima por dez anos... e eu nunca soube disso.
Contive o impulso de vomitar e engoli o gosto amargo daquela visão terrível. Eu estava tremendo, paralisada, aterrorizada com a lembrança daquela manhã sombria de tanto tempo atrás. Quase pude ver a Elise de nove anos chorando de medo, de dor e de tristeza pela perda. Eu pus as mãos sobre meus braços, os acariciando em busca de algum afeto físico... como sempre.
Já Levann se esgoelava, incrédulo e frustrado, para não dizer puto. Ele se ajoelhou em frente ao corpo de nossa mãe, chorando ao ponto de soluçar, com a testa e as palmas das mãos recostados sobre o diamante frio.
Me pergunto como minha mãe estava ao ver aquela cena tenebrosa.
Mas... não tive tempo de perguntar, pois Dapher havia terminado de subir as escadas e trazia em mãos uma espada feita de luz condensada. Seu olhar não era de um pai que havia acabado de reencontrar seu filho, mas sim de um homem preenchido pelo mais puro ódio, frente a frente com seu maior inimigo.
— Você tirou tudo de mim. Hora de devolver o presente que me deixou naquela biblioteca. — Disse o rei, com os olhos azuis tão frios quanto o gelo do submundo.
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A Rosa de Sangue
FantasyDominado pelas trevas, Levann Klaus comete aquilo que sempre temeu: Tirar a vida de alguém importante para si. Cumprindo o último desejo dessa pessoa ele fugiu para viver, deixando para trás o ódio e a confusão daqueles que ficaram para limpar o sa...