Foi o barulho insistente de um punho fechado contra minha sacada que me acordou.
Havia passado o dia todo deitada na cama, comendo porcarias, mexendo no celular e cochilando em toda oportunidade. Por isso, apesar de já passar da meia-noite, quando ouvi as batidas, meu sono era leve.
No início, achei que era a chuva, caindo com mais força do que eu pensava naquela noite excepcionalmente fria de domingo.
Levantei cambaleando, ainda sonolenta, e abri a porta da sacada sem sequer acender a luz, esperando ver meu namorado atoa do outro lado. Ao invés disso, me deparei com uma versão de Naomi Jones que eu achava ter entrado em extinção: uma menina de 17 anos, sem maquiagem, com moletom cinza e cabelo preso.
Ela também estava levemente molhada pela chuva fina, provavelmente do tempo que ficou escalando as plantas e batendo na porta. Apesar disso tudo, estava com um sorriso no rosto.
— Finalmente. — Ela falou, entrando no quarto enquanto eu esfregava os olhos. — Achei que ia acordar seus avós antes de você.
— Por que não entrou pela porta da frente? — Falei, acendendo a luz do abajur, o olho semicerrado com a claridade, ignorando o fato que provavelmente atendi na primeira batida. — Você é a única garota que dá bola para o Jonah. Meus avós estão quase construindo um altar em sua homenagem.
Quando terminei de falar isso, percebi que não sabia se esse era o jeito certo de agir perto de Naomi, e nem qual seria a outra opção. Na última conversa que tivemos, havíamos dado uma pausa na nossa amizade por escolha dela, e eu ainda não tinha processado essa informação o suficiente para ter um plano de saída numa situação como aquela.
Além do mais, ela havia me pego completamente de surpresa, aparecendo na minha sacada em uma madrugada de domingo. Não estava acostumada com isso. Bom, não estava acostumada com meus amigos fazendo isso.
Ou meus ex-amigos? Afinal, o que ela era minha agora?
— Estou sendo romântica. — Naomi respondeu, soltando o cabelo do rabo e recuperando parte de seu glamour. Depois, tirou dois cigarros enrolados do bolso moletom e deu um sorriso travesso, quase infantil: — Trouxe maconha.
— Somos amigas de novo? — Perguntei, simplesmente.
Ela sentou na beirada da minha cama e deu um suspiro:
— Dylan me contou sobre Thomas. — Naomi disse. — Não estou conseguindo dormir.
— Sabia que ele não ia conseguir ser o vilão.
— Ele não disse isso para preservar a reputação dele, Teodora. Disse porque eu fui uma idiota. Desculpe. Desculpe por ter sido uma idiota.
Sentei ao lado dela e abri sua mão parcialmente fechada no colo. Peguei um dos baseados, e acendi com meu isqueiro branco, posicionado estrategicamente no móvel ao lado da cama, perto do abajur.
Traguei e passei o beck para ela, ainda sem saber o que dizer. Naomi tragou e olhou para mim, a fumaça densa da maconha passeando entre nós como se estivesse em câmera lenta. Ela disse:
— Agora nós realmente passamos por tudo, hein?
***
Aos poucos, o silêncio se tornou uma conversa séria, que foi se transformando em uma série de piadas. Os risos viraram uma festa, e quando me dei conta, tínhamos retornado para conversa séria novamente.
Ela me contou sobre sua mãe manipulável e o padrasto interesseiro, sobre como a situação tinha piorado com o passar dos anos, sobre como ela sentia falta do pai. Naomi raramente falava do próprio pai ou da própria mãe, mas por motivos completamente diferentes. De um, ela sentia saudades, o outro, ela queria que fosse embora.
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Amargura
RomanceSEQUÊNCIA DE ACRIMÔNIA. Amargura (s.f): sabor amargo; padecimento moral; aflição, angústia, tristeza; propriedade ou característica de severo, áspero. A definição perfeita do sentimento que fica com o fim de um relacionamento amoroso intenso. Teod...