O dia seguinte chegou de forma impiedosa, rápido demais para que eu pudesse raciocinar como ia encarar os problemas que voltariam à tona junto com a luz do sol que escapava pelas frestas da cortina do quarto de Dylan. Abri os olhos com pesar, porque sabia que precisava voltar para casa e encarar meus avós, o problema com meu pai, a bronca que levaria por matar aula e, pior ainda, meu namorado sóbrio e acordado ao meu lado.
O quarto do garoto continuava praticamente o mesmo de sempre, com uma pequena adição minha à conta. As cortinas e os móveis continuavam brancos enquanto as almofadas e lençóis eram pretos em contraste, a bagunça organizada na cômoda, as fotos jogadas no móvel perto da televisão inutilizada e a parede de fotos minhas de certa forma combinavam com minhas roupas jogadas de forma descuidada na poltrona preta no canto perto da sacada, com minhas botas no tapete felpudo e com meu cordão embolado no criado-mudo.
Por nunca ter tido contato muito próximo com nenhuma mulher na vida depois da morte da mãe, os detalhes do quarto de Dylan que remetiam a mim provavelmente matariam qualquer um da nossa escola de susto, mas aquela era uma coisa que eu preferia que permanecesse entre nós.
– Eu sei que você está acordada. – Dylan disse, antes que eu sequer me virasse em sua direção. Continuei encarando a janela, de costas, e dei um suspiro pesado.
– Como? – Perguntei, finalmente me virando para encara-lo.
– Porque eu te acordei. – Ele sorriu debochado, o que explicava a sensação pinicante que eu havia sentido nas costas segundos antes de abrir os olhos. Ele me conhecia bem demais para meu próprio bem. – Quem era aquele cara ontem à noite, Teodora?
– Por que você não pode continuar fingindo que aquilo não existiu?
– Porque agora eu estou sóbrio.
Eu também o conhecia demais para meu próprio bem.
– Não quero falar sobre isso, não com você.
– Por que? – Ele perguntou, parecendo ofendido.
– Porque você é ciumento e gosta de socar pessoas.
– Não sou ciumento. – Ele respondeu, franzindo a testa, e eu o encarei com a sobrancelha arqueada, porque ele havia deixado de fora a segunda informação de propósito. – Tá. Que seja.
Dylan se levantou, claramente ainda emburrado, e começou a se vestir: calça jeans, camiseta, tênis. Apesar de saber que ele estava irritado, resolvi ignorar sua cara feia e resmunguei:
– Onde você vai? – Perguntei, me espreguiçando e dando um sorrisinho culpado: – Não quer ficar na cama e ignorar o resto do mundo comigo?
– Não posso. – Ele respondeu, sem olhar na minha direção enquanto calçava o tênis, sentado na beirada da cama. – Tenho que buscar minha irmã no aeroporto e depois treino de futebol. – Ele olhou para mim e deu um sorriso cínico: – Além do mais, estou chateado com você.
– Treino de futebol? – Indaguei, com a testa franzida, ignorando propositalmente a última parte de sua fala.
– Foi a condição do meu pai para trazer minha irmã de volta.
Torci a boca, porque Dylan não havia me contado nada daquilo até o momento, nem que sua irmã voltava hoje nem que havia voltado a jogar futebol por pressão do pai. Depois do desastre com Mia e Theo, eu esperava que ele começasse a se abrir mais comigo sobre o que acontecia em sua vida, mas dizer qualquer coisa agora seria hipócrita da minha parte, portanto, fiquei em silêncio. Dylan percebeu minha irritação e arqueou uma sobrancelha debochada na minha direção, junto com um sorriso de lado, porque sabia que havia vencido uma briga que sequer chegamos a ter.
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Amargura
RomanceSEQUÊNCIA DE ACRIMÔNIA. Amargura (s.f): sabor amargo; padecimento moral; aflição, angústia, tristeza; propriedade ou característica de severo, áspero. A definição perfeita do sentimento que fica com o fim de um relacionamento amoroso intenso. Teod...