Capítulo 6

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Eu tinha treze anos quando me apaixonei pela primeira vez. Conhecia Paulo desde sempre, acho que perdemos os primeiros dentes juntos, ou sei lá. Mas em algum momento no começo da mocidade, aquela amizade começou a mudar.

Nós ficamos juntos por algum tempo, até chegamos a namorar mesmo de porta, coisa séria que durou pra mais de ano. Mas, então, o Paulo foi embora. Ele entrou num navio e atravessou o oceano. E eu achei que poderia ser que nem as mocinhas da história que apenas troca cartas e espera o seu amado voltar. Mas ele nunca voltou. E nem respondeu minhas cartas. E a cada dia, eu só via ele em todas as coisas. Cheguei mesmo a bater na casa do pai dele em uma madrugada quando pensei muito em tudo e pedir por notícias pensando se o menino não tinha morrido naquele além-mar. Mas ele me disse que Paulo estava vivo e bem, que tinha recebido uma carta dele naquela mesma semana.

Conferi o endereço e soube que não estava errado. Ele só não tava lendo as minhas cartas e, se lia, nem em sonho respondia.

E eu fiquei furiosa e depois devastada, tentando entender o que tinha feito de tão errado para terminar de coração partido.

Então a cada vez que conversava mais de uma vez com um rapaz, cada vez que conversava com Hélio, ficava sempre de olho se o papo não tava tomando ares que não deveria.

Mas com ele, era meio difícil de ver se sim ou se não porque tudo era diferente do que eu já tinha vivido. Então eu apenas acreditava que a gente era amigo. Nada mais.

E eu tinha muito com o que me preocupar além disso.

Andava correndo e, pela primeira vez, era na minha própria casa. Dessa vez o bafafá era lá, mas meio que eu gostava disso. Era uma confusão boa.

A vantagem de ter famílias grandes, é que quando precisa, todo mundo se ajuda. Foi assim no casamento do José.

Todos os irmãos da minha mãe e do meu pai ajudaram um pouquinho, os mais afastados mandaram só uma garrafa de refrigerante ou suco e desejaram felicidades para os noivos, enquanto os mais próximos se desdobraram pra que no fim das contas a gente tivesse comida pra todo mundo e pudesse preparar um bolo bem bonito. Músicos? Os primos que, de alguma forma, tinham algum instrumento ou podiam pegar emprestado de algum amigo. Decoração? Nada como fazer bandeirinhas de jornal que nos faziam lembrar do São João. E a maioria dos pivetes da família vendia jornais, eles sempre guardavam os passados naquela suposição de "vai que precisa". Onde eles morariam? Bom, por enquanto lá em casa, mas só até a casinha deles ficar pronta, num pedaço do terreno do tio dela, que era onde cabia.


Decidimos fazer o casamento em um domingo, apenas alguns dias depois que a dona Quitéria fez a festa pra Hélio. Mas, como no sábado eu ainda trabalhava, tava ocupada passando roupas enquanto a mente viajava em tudo o que faltava arrumar para o grande dia. A gente tinha que pendurar as bandeiras, ir buscar as mesas pra colocar no lugar certo, tinha que terminar de buscar as coisas da Nair...

- Jacinta! - Exclamou Mily, correndo até mim e tirando o ferro de passas das minhas mãos. - Presta atenção ao invés de ficar nas nuvens! Olha o que você fez!

Ah, meu Deus! Tava tão distraída que deixei a blusa do senhor Augusto queimar!

- Não, não, não! - Falei, batendo no pano quente como se isso fosse diminuir o formato perfeito do ferro em marrom no tecido branco. - Ai, meu Senhor, meu Jesuszinho. E agora, Mily?

- E eu que sei?! Ah, como a gente vai consertar isso?!

- Tudo bem, meninas?

Rodamos nos calcanhares mais rápidas que pião ao ouvir a voz às nossas costas. Escondi a camisa pra trás e olhei Hélio, bem na nossa frente. Chega respirei aliviada. Era só o Hélio.

- Sim, sim, senhor. - Respondeu Jamily, balançando a cabeça pra cima e pra baixo tão rápido e com tanta força que mais parecia que ela ia acabar se soltando do pescoço.

- Não, temos um problema. - Foi minha vez de falar, mostrando a camisa pra ele. Não tinha mais ninguém que poderia nos ajudar a resolver aquilo. Hélio pegou e olhou o estrago como se visse vômito ou algo tão ruim quanto.

- Ih, isso definitivamente não sai.

- O que é que a gente faz? - Perguntei ao que Jamily só olhava pra mim com mais espanto quase como se gritasse: "sabe com quem você tá falando?! PRESTA ATENÇÃO!"

- Não podem só jogar fora? Sem que ninguém veja.

- Olha, poder, a gente pode, mas essa a blusa que o senhor Augusto mais usa, ele ia dar falta dela assim que abrisse a gaveta amanhã pra sair.

- Ele usa ela todo domingo. - Explicou minha irmã, ganhando coragem depois de perceber que a gente não tava encrencada. Pelo menos não com o rapaz, com o resto da família já era uma história bem diferente. - Toda semana, sem falta.

- Tudo bem, não se preocupem. Eu vou em uma loja, compro uma igual, vocês lavam e ele nem vai perceber nada.

Sem contar conversa, Hélio girou nos calcanhares e saiu, pronto pra tudo. Mas assim que ouvi seus passos descendo as escadas, eles começaram a ficar próximos de novo. O rapaz voltou ligeiro como se rouba.

- Alguém poderia ir comigo? Eu só sei chegar na biblioteca e na igreja.

Mily me encarou, em dúvida de como aquilo daria certo. Tirei o avental e joguei pra ela.

- Me cobre. Se perguntarem, inventa alguma coisa. Diz que eu tô com dor de barriga ou sei lá. Só não deixa a Berenice saber que eu saí. - Ela concordou com a cabeça, ainda segurando o avental, meio chocada e sem saber direito o que fazer. - E guarda isso pra ela não ver.

- Ah, tá. Certo. Vou guardar. - E bem ligeirinha ela enfiou a roupa embaixo das que tava passando e enquanto ela continuava aquele trabalho, saí de fininho com Hélio portão a fora.

Fui indicando o caminho e a gente só faltou correr no lugar de andar, entrando pelas ruelas que serviam de atalhos entre as ruas principais, contornando os lugares apinhados de gente pra ganhar o máximo de tempo possível. E mesmo assim parecia que o relógio da igreja tava numa barbada.

- Como isso aconteceu? - Hélio perguntou, apontando para a camisa. A parte que tinha conseguido rasgar balançava que nem langanho pra dentro e pra fora.

- Eu me distraí. Tava ocupada pensando.

- Pensando em quê? Devia ser algo muito interessante dado o tamanho do buraco. - Hélio falou, abrindo a camisa na minha frente. Dava pra passar minha mão aberta no furo do tecido.

Fiz uma careta e mostrei a língua pra ele. O rapaz só fez rir da minha cara.

Depois de proteger minha honra, respondi.

- Amanhã é o casamento do meu irmão. A gente tá tendo que fazer um monte de coisas pra a festa e eu tava pensando em tudo o que ainda ia fazer quando chegasse em casa.

- O que era tanta coisa?

- Olha, só de galinha, meu tio vai matar quatro pra gente tratar, fora isso, tem arroz, macarrão, as coisas que minhas tias vão trazer meio prontas e o lugar que a gente ainda vai ter que arrumar amanhã, as coisas da minha cunhada pra levar.... É muita coisa.

- Boa sorte com sua festa de casamento.

- Obrigada. Se o senhor Augusto não me matar, consigo participar do casório.

- Nós vamos resolver. - Ele garantiu, com uma expressão confiante.

- Se você der mesmo um jeito nisso, eu te levo para o casamento do José. Pra você ver o que é uma festa boa de verdade.

- Olha que eu cobro.

- Pode cobrar. Juro que levo. - Garanti, antes de puxar ele pelo braço quando não percebeu que tinha que virar numa esquina.

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