Capítulo 24

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Querida irmã;

Fiquei muito feliz com sua carta! Que bom que tu conseguiu meu endereço, num sei como ia fazer para conseguir o seu de outro jeito.

Sim, tô gostando daqui. Sabe, é bem bonito. A casa da gente é maior que a do Brasil e eu tenho um quarto só para mim, ele não tem janelas, mas tem uns quadros que o Paulo pintou com paisagens do Brasil e que posso ficar olhando todas as noites antes de dormir.
Sabe, Jaci, aqui tem um monte de coisa esquisita que não tem no Brasil. A comida daqui é tão doce que enjoa e as pessoas brancas sempre olham feio para nós em qualquer lugar que a gente vá, mas Paulo tá me ensinando a lidar com elas.

O inglês também é difícil de aprender, acho que vou demorar um pedaço de tempo, mas uma hora sai.

Tá começando a fazer frio agora, bem mais do que fazia em casa, o que é bom porque é bem mais difícil da gente suar e é muito gostosinho de dormir enrolada com dois lençóis. O Paulo disse que em dezembro deve nevar, estou muito animada para ver a neve.

A mãe também tá uma fera comigo, ela não quis responder minha carta, quem escreveu foi o Emanuel, ele disse que ela e o José tão revoltados com a gente. Cuidado, ele disse que tão colocando a culpa em você, dizendo que tu que fez minha cabeça para eu vir para cá. Mas, quer saber? Eu não me arrependo nem um pouco de ter vindo!

Veja tanta coisa aqui, Jaci. Até a viagem foi bonita. Ver o mar... tudo aquilo, tudinho foi lindo. E os prédios que tem aqui são tão diferentes daí, as roupas também, as pessoas... mesmo com as coisas esquisitas estou gostando de conhecer tudo, fico curiosa com cada detalhe e o Paulo sempre responde minhas perguntas, então tá tudo ótimo!

Estou morrendo de saudades de você já! Queria que você estivesse aqui para ver tudo isso comigo, mas tudo bem.

E por aí? Como que tá? O Hélio e o Bonifácio tão bem? A mãe mandou notícias? Fico esperando sua carta.

Jamily

Dobrei a carta e guardei de volta na bolsa com o coração bem mais leve depois de ter notícias da minha pequena. Apertei a carta com a caligrafia grande de Jamily junto do peito como se estivesse abraçando a minha irmã assim pertinho. Eu também estava um poço de saudade dela! Mas agora poderia finalmente descansar sabendo que ela estava bem e que estava gostando da sua mudança. Mas o fato de mainha e José estarem pensando aquelas coisas... meu Deus, como eu faria eles me perdoarem? Quanto tempo será que ia levar?
Eram perguntas tão difíceis que antes que eu achasse as respostas, o bondinho chegou no meu ponto e saltei.

O dia de trabalho foi cumprido, mas não triste. Dinah não estava estudando, disse que tinha feito a prova no dia anterior e precisava descansar os miolos então ficou comigo o dia inteiro. Dona Rosália saiu lá para as cinco e meia, levando Daniel porque iria sair com as outras senhoras e suas crianças para uma festinha o que fez Dinah faltar saltar de alegria.

— Não podia ser mais perfeito! — anunciou com um sorriso enorme assim que o carro saiu. — Vamos lá!

Ela me puxou escada a cima até o seu quarto e me mostrou duas caixas que estava guardando embaixo da cama.

— Abra a sua! — mandou, tirando a tampa de uma delas.

Meio confusa, obedeci e só aí vi que a caixa era daquele alfaiate que a gente tinha ido há algumas semanas.

Entre o papel fino e delicado, tirei o vestido de flores vermelhas. E, ah! Como era lindo! Desde o drapeado delicado da blusa até os babados vermelhos da barra, ele era perfeito. A saia parecia ser feita de uns dois metros de tecido franzido na última medida, de um jeito que fazia parecer que era uma rosa aberta com suas mil pétalas.

— É lindo... — falei, sem acreditar, olhando para ele.

— Não, é? — Dinah sorria quando pôs o próprio vestido roxo diante do corpo e rodopiou. — Vamos nos arrumar que essa noite vai ser incrível!


***


Quase não me reconheci quando olhei para o espelho no final da arrumação. Dinah tinha prendido meu cabelo numa trança linda e tinha colocado alguma maquiagem em mim. Me emprestou seus sapatos e aquela anágua sua que fazia parecer que meu vestido de rosa escondia uma nuvem fofinha.

— Um último detalhe... — ela falou, colocando um colar com uma pequena pedrinha brilhante em mim. — Perfeito! Sempre achei esse colar lindo, mas em mim nunca ficava bom, em você ficou perfeito! É seu agora.

Eu nem sabia o que dizer, só sorri para Dinah e aceitei o presente.

Alguns conhecidos dela vieram nos buscar e fomos para a dita festa. Era o aniversário de um rapaz, vinte e um anos. Dinah disse que tinha conhecido ele nos grupos de estudo que se amontoavam na biblioteca e ele estava apenas esperando a prova passar para fazer sua festa de aniversário, a data em si tinha sido há uma semana, mas se tivesse feito no dia, ninguém teria ido e o rapaz gostava de festas cheias.

Quando chegamos lá, já tinha bastante gente, entramos e fomos para os fundos da casa, onde tinha uma área enorme com piscina e algumas mesas de jardim perto das espreguiçadeiras. Era um lugarzinho agradável que com certeza daria muito trabalho de limpar.

Todos os jovens naquela festa eram muito ricos, dava para ver isso nos seus carros, nas suas roupas, sapatos e joias, ou no modo mesquinho com que comentavam sobre a maioria das coisas, um jeito um bocado distante das conversas sobre os dias de trabalho e os colegas feitos lá que as pessoas de onde vim costumavam ter. Mas ao menos eles entendiam de futebol, um tema que parecia universal no Brasil inteiro.

Algumas pessoas ficaram nos encarando quando chegamos, mas foi apenas quando Dinah parou para conversar com alguém que percebi que estava olhando daquele jeito para mim.

— Sua amiga, Dinah? — uma das moças perguntou, olhando para mim de alto a baixo.

— É a Jacinta. — a moça respondeu, enlaçando o braço com o meu. — Ela é minha convidada hoje.

— Hum... interessante. Nunca te vi por aqui, Jacinta.

— Me mudei há pouco tempo. — tratei de dizer, com um sorriso que esperei muito ser convincente para aquele olhar desafiador. — Estou conhecendo a cidade agora.

— Entendo. Foi bom te conhecer. A gente nunca sabe com que tipo de pessoa a Dinah anda... é bom saber dessas coisas. — ela não falava mais olhando para mim, sua feição reprovadora observava Dinah com um milhão de alertas.

— Pois é, a gente sempre tem que escolher boas companhias. — Dinah interferiu, sem se deixar abater. Seu olhar mostrava que sabia muito bem jogar aquele joguinho de palavras duplas e meios sorrisos. — Por isso estou procurando o André, alguém viu?

As meninas apontaram para a nossa direita e seguimos entre os resmungos de Dinah sobre as fofocas daquelas mulheres.

— Elas ficaram cismadas com a minha cara desde que resolvi fazer faculdade. — explicou, aos fuxicos. — Sabe como é, todas moças de família, estão a dois passos do casamento dos sonhos. Ficaram todas do lado da minha mãe. Enfim. Espera, aquele não é seu primo?
E ali, perto da piscina virando uma garrafa de cerveja estava Bonifácio, rindo e apostando com outros rapazes sobre bebidas.

— O que você tá fazendo aqui, Bonifácio? — perguntei, chegando perto dele.

— Jaci! — ele falou, mais alegre que o normal. Dava para ver que tinha chegado bem mais cedo que eu e só iria para casa bem mais tarde. — Você por aqui! Bem que eu disse ao Hélio que era para ter vindo, mas ele não quis trocar o turno. Eu bem que troquei! Ele sabe que você tá aqui? — a pergunta foi quase que um segredo.

— É claro que sabe, Bonifácio. Eu é que não sabia que você ia estar aqui.

— Pois é, olha que engraçado! Vamos nos divertir muito hoje! — Ele apoiou a mão em meus ombros. — Aí, pessoal, vocês já conhecem a minha prima?

Seu olhar varreu as pessoas ao nosso redor e parou bem em Dinah, quando seu sorriso se abriu enorme.

— E aí, Dinah, bom te ver. Tá bonita hoje. A dama da festa, talvez a gente até pudesse dançar hoje, você sabe, um belo par...

Ela revirou os olhos, cruzando os braços.

— Ainda nem são oito horas e você já está bêbado, Bonifácio.

Antes que ele tentasse outro cortejo que a deixasse irritada, deixei Bonifácio para trás e saí com Dinah. Aquela seria uma longa noite.

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