Prólogo - parte 2

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Um fim não é um término em si mesmo
Ele é apenas o nascer de outro começo
O fim do conto de uma paixão
Pode ser o começo de outra emoção
Quem encontra o infinito traz o cântico da vitória
Mas não recorda que Orfeu também imaginava glória


Algo que eu gostava dos antigos gregos é que eles sabiam contar uma história. Suas narrativas sempre possuíam um final inesperado porque eram baseadas na incansável luta do ser humano contra o destino e contra o divino, embora os homens soubessem que não poderiam vencer, eles sempre continuavam lutando. Acho que essa teimosia faz parte da natureza deles. É uma característica impressionante, eu diria que até certo ponto tola e irresponsável, é verdade, mas ninguém pode discordar que é impressionante.

Vejamos, então, a história de Orfeu. Um jovem que nutria tamanha paixão por sua amada que não suportou perde-la e foi busca-la no próprio Hades. Tal amor comoveu até os deuses que permitiram a volta da moça com uma condição: que Orfeu não olhasse para trás até estar no mundo dos vivos novamente. Por um breve momento de fraqueza, um instante às portas da liberdade, ele não resistiu, virou-se para contemplar sua querida. E isso a fez perdê-la outra vez. Sem uma chance de refazer o acordo.

O amor pode ser intenso e guerreiro, pode ultrapassar barreiras. Mas também é perigoso, pois pode tornar um sujeito imprudente, pode fazê-lo olhar para trás quando não deveria.

A história de Hélio e Jacinta não é uma narrativa extraordinária, entenda-me, eles não foram ao inferno procurar um pelo outro, não destruíram impérios para ficar juntos nem tinham habilidades sobrenaturais para lutar contra tudo o que os separava. Mas o fantástico nesses ordinários humanos se encontra no modo como eles fizeram nascer o próprio infinito na sua história ordinária.

E isso se dava em coisas tão pequenas que realmente me fazia não lhes compreender.
Como quando seguiam para o Rio de Janeiro.
Era o nascer de mais um dia na estrada, Bonifácio dirigia, Hélio e Jacinta iam juntos e quietos no banco de trás do automóvel. Ela estava sentada em seu canto e ele deitado apertado no banco, a cabeça descansando no colo da esposa, pendurado num sono profundo depois de horas dirigindo.

A moça acordou primeiro, viu o sol colorindo o horizonte de vermelho ao nascer do dia, ouviu Bonifácio cantarolando algo enquanto seguiam e seu olhar recaiu sobre o esposo. Em silêncio, ela apenas contemplou seu rosto adormecido, vendo nele o reflexo daquela alegria tranquila que nadava em seu peito. Com as pontas dos dedos, ela afastou os cabelos claros e bagunçados do rosto dele, para que o visse claramente e permaneceu com as mãos ali, num carinho terno e sincero.

Hélio abriu os olhos devagar, encontrando os que o observavam. E sem uma única palavra, os dois apenas se perderam ali por tempos enquanto o sol nascia. Ouvindo a canção que ninguém podia ouvir, fazendo daquele instante um infinito.

E ambos achavam que naquele momento tudo seria novo, que seria seu felizes para sempre. Mas eles deviam saber que ali não existia nenhum "para sempre", afinal eles ainda eram humanos, e humanos não foram feitos para nenhum tipo de eternidade.

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