Capítulo 12

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As mãos de Jamily ainda tremiam quando pegaram a xícara e ela bebeu seu café em casa depois que chegamos e ficamos esperando a mãe. Nem eu, nem Emanuel, nem Jamily falamos nada sobre o ocorrido. Emanuel parecia concentrado demais em comer seu pão, calado, sério, fechado como sempre. Jamily não olhava para nenhum dos outros que comiam ao seu redor, olhos inchados, cílios molhados, bochechas húmidas, olhando da comida para as mãos e o colo sem saber exatamente o que falar ou como se esconder. E eu apenas observando os dois e esperando para ver quem falaria qualquer coisa.

Mas na verdade os meus pensamentos viajantes iam e vinham para a cena da tarde enquanto uma perguntinha irritante zanzava na minha cabeça como mosca no verão: e se fosse eu?
O pensamento caminhava pelo meu juízo. E se no lugar de achar Jamily e Samuel naquele quartinho, a dona Quitéria tivesse achado Hélio e eu? O que ela teria dito? Teria me mandado embora com a mesma fúria? Algo pior? Só de pensar nisso eu mesma começava a tremer. Coloquei a xícara na mesa e baixei as mãos para baixo dela enquanto mastigava em silêncio. José, Nair, as crianças e a vó conversavam como todos os dias. E nós três ficamos calados. Esperando o momento da sentença como três criminosos.

Quando mainha entrou, vi na hora Jamily se encolher na cadeira, como um animal assustado. Nossa mãe também não parecia exatamente em clima de patuscada. Seu rosto tinha linhas tristes, preocupadas. Será que sabia de alguma coisa? Ela beijou as crianças e mandou que elas fossem se arrumar para dormir, mesmo não sendo nem oito horas ainda. Isso era um péssimo sinal. Todos trocamos olhares pesados de perguntas.

— Emanuel, você também. — E a mesa caiu em um silêncio mortal. O único sonzinho que ouvimos na casa inteira além do alarido das crianças lá atrás foi de Emanuel arrastando a cadeira e colocando o prato na pia.

— O que aconteceu, mãe? — José foi o único com coragem o suficiente para perguntar.

— Fui demitida. — Deu para ouvir muito bem o som do espanto de cada um de nós. — A esposa nova do senhor Antônio tava trocando todos os empregados... não contei para vocês porque não achei que ela ia me mandar embora, já que trabalho lá há mais de vinte anos... mas ela mandou. Agora vou ter que procurar outro serviço.

Isso era uma facada na nossa família, já que o salário de mainha era o maior entre todos da casa e sem ele já sabíamos que não ia ser fácil. Mais difícil foi ainda quando vi Jamily esconder o rosto nas mãos e tremer um pouquinho. Estava chorando. Chorando e estremecendo como cana verde ao vento.

— Mily, só deixei você ficar porque achei que era adulta o suficiente para ouvir isso com os seus irmãos. Então, por que está chorando como uma criança?

— Porque também perdi o emprego hoje. — A mãe olhou para ela com as sobrancelhas erguidas, tentando acompanhar tudo. — E por causa de mim, agora a Jacinta e o Emanuel também vão ser marcados pela dona da casa.

— O que você fez, Jamily? — Perguntou mainha. Ela tinha explicado o próprio motivo, agora queria ouvir o da minha irmã. Jamily chorou mais. Já não bastava a humilhação de mais cedo, ainda teria que falar aquilo diante da família toda... em seus olhos dava para ver a vontade de fugir correndo dali.

— Foi minha culpa. — Falei, chamando toda a atenção para mim. — Eu estava cansada e mandei Jamily me substituir passando algumas roupas. Ela queimou o vestido da dona Quitéria que ficou uma fera. Por isso mandou ela embora, era um vestido muito caro.

Jamily me encarou por um momento, sem entender porque eu estava fazendo aquilo, mas também não desmentiu a lorota. Ficou peixe. Ou quase isso.

— Por que fez isso, Jacinta? Você não sabe que deveria cuidar dos seus irmãos? Cumprir com suas responsabilidades?

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