Capítulo 17

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Acho que a batalha mais memorável em nossa expedição à Itália foi a tomada de Monte Castello. Afinal, foram 3 investidas da FEB e dos americanos para que conseguíssemos. Nas duas primeiras tentativas tudo o que houve foi um banho de sangue e uma batida em retirada. Começaram a chamar o lugar de "morro maldito" depois que vimos tantos conhecidos e desconhecidos de nosso exército feridos ou que nunca chegaram a voltar do dito monte, ficando sob responsabilidade dos sepultadores.

Todos esperavam ansiosamente os resultados daquela terceira investida. Mesmo quem não estava presente, procurava saber cada pequeno avanço ou retrocesso dos aliados na empreitada. Foi um dia inteiro de batalha e violência interrupta, parecia que não havia um minuto sequer em que não se ouvissem o som dos tiros, das bombas e granadas. Tudo cheirava a pólvora, morte e ódio.

Lembro-me de olhar para o céu e ver mais aviões partindo rumo ao horizonte, pilotos e bombas preparadas para um ataque iminente, uma visão que arrepiou a alma quando tentei imaginar quantos deles voltariam ou quantos matariam e a parte mais mórbida é que eu desejava que matassem o máximo possível, que tantas vidas alemãs fossem ceifadas e banhassem de sangue aquela terra quanto o fez o sangue brasileiro, queria que a luz se apagasse de suas almas e olhares tão intensamente quanto o vira nos tantos homens resgatados pelos médicos, gostaria que eles também chorassem com a mesma insanidade com que choram as crianças pequenas e perdidas como o vira fazerem meus iguais. E após esse pensamento doentio eu novamente me perguntava: o que é a guerra?

Se uma criança me perguntasse o que era a guerra, acho que nunca seria capaz de explicar, pois nunca consegui entende-la.

De onde vem a fúria de desconhecidos almejarem a morte de outros desconhecidos ao ponto de darem suas próprias vidas para isso? O que leva homens como nós a saírem de sua pátria para beijar a morte em solo estrangeiro no abraço de uma granada? Eu nunca compreenderia. A guerra era insana e doentia.
Mas era isso que fazíamos ali. Era assim que vivíamos. E, naquele dia, não restavam dúvidas que todos só eram capazes de pensar se o inimigo tinha sido derrotado ou se nós estávamos declinando outra vez.

A batalha terminou para lá das dez da noite. E quando ecoaram aos quatro cantos que tínhamos tomado o morro maldito tudo foram comemorações, afagos e brados de alegria.
Abracei Rodrigo e deixei para trás cada um dos pensamentos mórbidos e sombrios que nublavam meu espírito.

E por um momento, esquecemos que aquela era a vitória de apenas uma batalha. A guerra ainda caminharia por meses antes de podemos cantar glória.

Acho que, como naquela vez, quando fugi insanamente rumo ao Rio de Janeiro, eu também estava esquecendo que não se pode celebrar a vitória antes de enfrentar todos os desafios.

Quando finalmente chegamos à capital, já era a tarde do nosso terceiro dia de viagem, dessa vez era Bonifácio quem estava no volante, eu acabara de despertar com a voz de meu primo anunciando que a chegada estava na boca da espera. Isso me fez acordar como poucas coisas conseguiram nos últimos três exaustivos dias.
Abri os olhos lentamente para as fachadas das casas e lojas que tantas vezes já tinham visto, procurando as mínimas mudanças que ocorreram naqueles prédios nos últimos quatro meses.

Passamos por aquele prédio de tijolos lisos, com as portas em arco e as mão-francesas com uma dezena de arabescos, parecia o mesmo que sempre foi, inclusive com os mesmos homens engravatados, de sapatos engraxados pondo seus chapéus claros para sair do escritório.
Os meninos correndo descalços entre os transeuntes com seus suspensórios sempre do tamanho errado, as meninas com seus laços de fita desfeitos e os sapatinhos de tiras finas brincando por ali... suas gargalhadas infantis ecoavam aos sete ventos como o som dos sinos das fadas, brilhantes e alegres como poucas coisas conseguem ser.

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