XIII - Conversa com a diretora

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Yuumi servia um chá de camomila gelado para Sett, que a olhava impacientemente. O estudante não entendia o porquê daquela cerimônia, sequer era café, por que aquela gata servia algo em uma xícara se nem polegares ela tinha?

— Camomila é parente de catnip, faz bem pros nervos. — ela deduziu o desentendimento do mais novo com aquela sobrancelha arqueada.

Dessa forma, Sett não recusou aquele agrado. Estava tão tenso que se questionava se seria capaz de dormir à noite. Assistiu o Livro mágico da diretora carregar a xícara e o pires até si, pegou-os com cuidado e bebericou. Estava levemente adocicado e até que era bom.

Sett assistiu a diretora se sentar ao seu lado, com o Livro sustentando a xícara para que ela tomasse em lambidas delicadas.

Os dois permaneciam em um silêncio levemente incômodo, mas não menos cúmplice. Era um tema difícil, Sett sabia; enquanto Yuumi sabia que não tinha escolha se não abordá-lo com clareza. Mas como informá-lo sem expor Aphelios?

— Era período de férias, pouco mais de uma década atrás. Eu estava cultivando a minha habilidade de caça e de exploração com o Livro quando encontrei um garoto jogado no meio do nada, sujo e com fome. — Sett franziu a sobrancelha com o conto de Yuumi. — Era Aphelios, em sua própria caçada.

— O que ele caçava?

Yuumi desviou o olhar, evitando respondê-lo:

— Fiquei com dó e levei ele pra casa, dei leite, peixe... até uma caxeta, mas ele se sentiu bem o suficiente pra usar minha cama para dormir. — ela sorria doce e nostálgica. — Ele não sorria, não falava, não ronronava, era difícil entender ele, mas de uma coisa eu sabia: seus olhinhos brilhavam gratidão por ter sido encontrado.

Yuumi divagava em suas lembranças:

— Em todas as minhas quatro vidas eu nunca encontrei um menino tão quieto, mas ele era tão doce e prestativo que eu não podia desistir dele. Eu procurei o conselho tutelar e juntos descobrimos sobre ele com algum custo.

A diretora olhou diretamente para Sett, que a ouvia atentamente:

— Aphelios tinha seis anos quando foi deixado pelos pais. Eu tento acreditar que não foi por mal quando penso que eles deixavam dinheiro o suficiente para que ele vivesse uma vida sem preocupações financeiras, mas essa foi uma decisão muito dura de se fazer. Abandonar uma criança como se ela soubesse se cuidar sozinha é uma atitude ridícula.

Sett sentia o pesar de Yuumi na voz, e mesmo apaziguadora, ele se sentiu frustrado com aquela informação.

— Foi assim que decidi torná-lo o meu humano. Até hoje vivemos juntos, e eu nunca deixaria isso ser mudado. — ela sorriu animada.

Aquele definitivamente era um rumo que Sett nunca esperava. Então Yuumi foi a responsável por Aphelios? Foi ela quem o adotou e por isso ela o tratava com tanto carinho e preocupação?

— Mas havia algo estranho naquele menininho. — ela disse receosa. — Mesmo tão prestativo, com o melhor carinho de todo o mundo, ele não conversava, não sorria e não se abria. Eu conseguia comunicar com ele porque sempre fui muito boa em interpretar diálogos não verbais, mas ele não gostava de se expressar.

Sett olhou o Livro mágico da diretora. Era a primeira vez que ouvia aquilo, mas era como se sempre soubesse daquela verdade. Yuumi era capaz de interpretar as decisões de um livro, sabendo o que ele queria, e sempre foi atenciosa com qualquer um que cruzasse o seu caminho. Não foi atoa que ela notou algo errado quando pôs os olhos em si.

— A Dona Fiora até me orientou a levá-lo a uma pediatra e a uma psicanalista. E quando descobrimos que o paradeiro dos pais deles era inconclusivo, tivemos que investigar as circunstâncias. — Yuumi suspirou. — Não havia rastros. Não  havia sinais do sumiço dos pais, e o dinheiro que caia para Aphelios era irrastreável. Não pudemos chegar a algum diagnóstico por não ter informações anteriores, mas o ponto é...

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