CAPÍTULO 02

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     Eu não preciso dizer que quando acordo, estou um caco completo, certo? Os meus olhos estão desfocados e ardendo pra cacete; minha boca está completamente seca e minha garganta arranhando como se dezenas de cacos de vidro ou lixas estivessem rasgando o seu interior.

     Levanto da minha cama meio desorientado, ainda vestindo a roupa da noite anterior, exceto pelos coturnos e pelas meias, que estão ao lado da cômoda. Minha cabeça está latejando tanto que é como se eu tivesse recebido uma pancada com um taco de baseball. Tudo isso com certeza é resultado daquela merda que estava na minha bebida, porque eu sou experiente pra caralho quando se trata de álcool e minhas ressacas não passam de uma leve enxaqueca.

      Cambaleio em direção ao meu banheiro gemendo de dor, e precisando ir segurando nos móveis e nas paredes para não cair de cara no chão. Os meus pés estão formigando pra caramba contra o chão frio, e a sensação é tão estranha e ruim que parece que estou prestes a morrer.

      Nunca mais vou aceitar bebida de um estranho com sorrisinho malicioso. Prometo a mim mesmo.

      Sei que é uma promessa vazia, porque na próxima festa eu já terei esquecido disso e já estarei bebendo qualquer coisa que aparecer pela frente, até o meu fígado quase entrar em colapso. Mas prometo assim mesmo, porque promessas vazias é algo que já estou acostumado a fazer.

      Quando enfim chego ao banheiro (o que demorou tanto que ele parecia estar a uns quinhentos quilômetros de distância), procuro rapidamente uma cartela de comprimidos para dor de cabeça e tomo logo três de uma vez, enfiando a cabeça debaixo da torneira para beber um bom gole de água para ajudar as cápsulas a descerem (costumo engolir no seco mesmo, mas se tentar fazer isso do jeito que a minha garganta está aqui, tenho quase certeza que vou ficar entalado até a morte).

      Encaro o meu reflexo no espelho e constato o óbvio: eu tô um horror. Parecendo uma salamandra eletrocutada.

      O meu cabelo branco e curto torna quase impossível ele ficar desarrumado, mas hoje eu consegui esse feito. E olha que não é um "desarrumado" bonitinho e proposital, e sim um ninho de gaivota sem nexo algum.

      Olheiras profundas e arroxeadas rodeiam os meus olhos cinza azulados, e uma veia está saltada pra caralho na minha têmpora, como se o meu cérebro fosse explodir a qualquer momento.

      Ao contrário do meu irmão gêmeo, Dean, meu rosto não expressa bondade e gentileza, mesmo que sejamos completamente idênticos. Ele é um cara doce, fácil de agradar e de arrancar um sorriso bobo. Na verdade acho que ele lança um pequeno sorriso gentil para cada pessoa que surge no seu caminho, como se isso fosse automático. Dean é tudo pra mim, mesmo que as vezes eu não demostre e aja com um péssimo irmão.

      O engraçado é que mesmo idênticos, os meus olhos não expressam gentileza e são frios pra caralho (e não só por causa da cor, já que os de Dean são idênticos e expressam o contrário). As sobrancelhas brancas e arqueadas demais não ajudam muito. E eu não costumo sorrir com gentileza como ele porque todos acham que eu tô tirando sarro ou algo assim.

      Bom. Eu sou gato pra caralho, e tenho total ciência e sei tirar bastante proveito disso. Não me levem a mal ou me julguem por fazer isso. E fodam-se aqueles que julgarem, eu não me importo mesmo.

      Dean é daquele tipo que não sabe o efeito que causa quando vai em algum lugar, como se não soubesse o quão bonito e a quantidade de olhares que atrai. Eu sou o exato contrário disso, e mesmo que tente puxa-lo para o lado malvado e sacana do nosso conto de fadas, sei que aquele alí não machucaria uma mosca, ou beijaria os lábios de alguém sem estar """apaixonado""" (e na verdade eu só tento convencê-lo a ir à festas comigo ou fazer alguma coisa assim pra provocar mesmo, porque jamais iria querer mudar absolutamente nada em Dean. Ele é perfeito do jeito que é).

      Agora ele está tendo um lance com o capitão do time de futebol americano. E está completamente apaixonadinho pelo negão gostoso lá (e eu entendo muito bem isso. Já peguei um negão gato pra caramba uma vez, e passei os dias seguintes pensando no chá dipika sensacional que ele me deu). Mas sei que o envolvimento do meu irmão jamais seria apenas algo sexual, e eu acho bom aquele cara não estar apenas enrolando o meu irmão, porque senão ele vai se ver comigo.

      Escovo os meus dentes com uma lerdeza sobrenatural, como se metade das minhas forças estivessem simplesmente desaparecido. Mal consigo manter sequer a boca fechada enquanto escovo, e isso faz a espuma branca e mentolada escorrer vagarosamente pelo meu queixo. A cena é humilhante, mas ninguém está aqui para ver mesmo.

      O apartamento está silencioso pra caramba, e isso indica que Gabriel, o cara com quem eu duvido o dormitório, provavelmente não está mais aqui. Na verdade ele pisa no nosso apartamento apenas umas três vezes por mês, e quando faz isso, é apenas para pegar alguma coisa e sumir de vista novamente. Ele tem uma banda com alguns amigos, e quando não está no campus estudando, está na casa de algum deles tocando ou... Fazendo o que quer que seja.

      Dividimos o apartamento a mais de seis meses, apesar de não sermos muito próximos. Cada um fica no seu canto e não socializamos muito depois de estabelecermos as regras para uma boa convivência:

     1) nada de bisbilhotar as coisas um do outro.

     2) nenhum se importa que o outro seja bagunceiro, mas bagunça e sujeira são coisas completamente diferentes, e manter tudo sempre limpo é o mínimo aceitável.

     3) nada de drogas aqui dentro [essa regra foi criada por mim, porque Gabriel é um emo um pouquinho estranho e tem cara de maconheiro, e embora seja um pouco escroto julgar pela aparência, quis deixar bem claro isso, já que se alguém tiver com drogas dentro do campus, é automaticamente expulso do seu respectivo curso].

      Depois de terminar de escovar os dentes, saio cambaleando para fora do banheiro à procura do meu celular, torcendo para que eu não o tenha perdido, ou pior: ter sido roubado enquanto estava alucycrazy lá na boate.

      Por sorte, encontro o meu celular em cima da cama, onde Dylan o colocou cuidadosamente longe do morto-vivo que trouxe, como se estivesse com medo de eu rolar e estragar o aparelho. E por falar em Dylan, preciso agradecer o cara depois.

      A primeira coisa que checo ao ligar o celular são as horas. Já são quase 11:00 da manhã, e três horários de aula já se passaram, mas foda-se, eu não queria ir hoje mesmo.

      Começo a andar para fora do quarto para procurar alguma coisa para comer na cozinha, enquanto vejo se não há alguma mensagem verdadeiramente importante e que eu não possa deixar para depois.




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