aborto

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Soraya sai do senado carregando uma pasta na mão, e no caminho para seu gabinete encontra Simone no corredor.
—Soraya... —Simone a chama indo até ela e Soraya para e olha para Simone. Quando ela chega até Soraya continua sua fala —O que vai fazer hoje? Pensei em irmos comer alguma coisa para conversarmos.
—Sim, claro. —Soraya responde sorrindo sem nem pensar sobre, e Simone responde sorrindo também:
—Ótimo.
As duas se olham em silêncio e Soraya continua:
—Eu só vou guardar essa pasta lá no meu gabinete e depois nós podemos ir.
Simone confirma com a cabeça e segue Soraya até o gabinete dela, e lá fica na porta enquanto Soraya entra para guardar.
—Uau, nunca vim aqui em seu gabinete, bonita a decoração, foi você quem fez? —Simone diz olhando em volta.
—Ah sim, você me conhece, eu gosto de tudo do meu jeito hahaha. —Soraya responde fazendo Simone rir e confirmar.
A assessora de Soraya apareceu e foi mostrar algo para ela, e Simone foi para o corredor esperar para dar privacidade.
Depois de um tempo Soraya aparece com sua bolsa no ombro, fechando a porta de seu gabinete e chama Simone:
—Pronto... Vamos?
—Opa, vamos. —Simone responde sorrindo e as duas saem conversando pelo corredor.
—Então, para onde nós vamos? —Soraya pergunta
—Ah, vamos para um restaurante que tem aqui perto, da para irmos caminhando. —Simone responde e Soraya concorda.
Na área externa em frente ao planalto, encontram uma mulher que vai até elas e diz:
—Oi, com licença, vocês são as senadoras Simone Tebet e Soraya Thronicke né? —Elas se entreolham e confirmam, e a moça continua —Prazer, eu me chamo Giullia, faço parte do movimento feminista e LGBTQIA+. Eu estava assistindo a sessão do senado de hoje, e vi que vocês duas, entre muitos outros senadores e senadores votaram contra a pec sobre o aborto. Vocês teriam uns minutinhos para me acompanhar a um lugar? Vai ser rápido.
Simone olha para Soraya esperando que ela respondesse, e Soraya olha para Simone com o mesmo pensamento, afinal, ela que a convidou. E quando viu que Simone não iria falar nada disse:
—Ah, não sei, a gente ia almoçar agora...
—Eu prometo que vai ser rápido. —A moça insiste.
Simone olha para Soraya como quem dizia: "você quem sabe". E Soraya aceitou.
As duas acompanharam a moça pelas ruas, e ela tentou puxar assunto:
—Vocês são amigas né? —A moça olha para elas e Simone e Soraya se entreolham. A moça continua —Vocês parecem ter muita intimidade uma com a outra, parece já se conhecerem. Então devem ser amigas, não apenas colegas de trabalho.
—É, nos conhecemos há um tempo já. —Simone responde.
—Ah, bacana. Legal terem se encontrado no senado então. Ter uma pessoa conhecida lá no meio, é bom. —a moça continua fazendo as duas sorrirem um pouco envergonhadas.
Depois de alguns metros, chegam a uma clínica.
Elas entram e na entrada, as recepcionistas e o segurança pareciam conhecer as políticas, e ficam olhando espantados sem dizer nada. Giullia fala com a recepcionista:
—Eu vou mostrar a clínica para elas ok? Se alguém me procurar, diga que eu estou ocupada.
As mulheres da recepção confirmam e Giullia faz um sinal com a mão para Simone e Soraya seguirem-na.
Elas começam a andar pelos corredores, e Simone e Soraya observam tudo ao redor. Simone então pergunta:
—Desculpe, aqui é uma clínica né? É uma clínica do que? E o que queria que a gente visse?
—Aqui é uma clínica para crianças com algum tipo de deficiência. Também abrigamos crianças sem deficiência. Mas a maioria é pcd. —A moça fala e elas chegam ao final do corredor, entrando em uma área metade coberta, metade externa, bem grande, ou tinham muitas crianças brincando.
Simone e Soraya olham para toda aquela área, e Simone pergunta:
—Interessante... É uma clínica ONG para tratamento médico?
—Temos a clínica também, mas nós temos um diferencial... —Giullia faz uma pausa e Simone e Soraya se olham curiosas para ela concluir, e ela assim o faz —Todas essas crianças foram abandonadas! Algumas na rua, outras na porta de nossa clínica, hospitais... A maioria sem nem documentos e com poucos dias de vida. Algumas chegaram aqui em situação de frio, fome, chorando.
Simone e Soraya se entreolham aflitas, e Giullia continua:
—Os pais abandonaram eles ou porque não estavam preparados para serem pais de filhos com deficiências, ou porque não estavam preparados para serem pais... Algumas eram mães na adolescência, ou o companheiro a abandonou, ou foram expulsas pela família.
Soraya pois a mão no peito observando as crianças enquanto escutava, e Simone olhava para Giullia.
—Nós somos uma clínica e abrigo para essas crianças. Damos um abrigo a elas, um teto, uma cama, comida, lazer, amor e carinho. E temos acompanhamento médico para aquelas que necessitam. Não temos vínculo com o governo, então sobrevivemos de doações, por isso não podemos fazer tudo o que queríamos ou precisamos. Tentamos acolher o máximo de crianças, e não temos tantos recursos sobrando para arcar com os custos. Mês a mês damos um jeito.
—Posso fazer umas ligações e tentar consegui mais doações para o projeto de vocês, é realmente interessante. —Simone diz e Soraya concorda.
—Seria ótimo, mas não chamei vocês aqui para isso... Meu intuito na verdade... não sei nem se eu poderia estar falando isso, mas queria dar uma nova visão a vocês duas. Vocês votaram contra a emenda do aborto sob a justificativa de que a constituição deve ser respeitada a todo custo, e a aprovação seria ferir isso... Venho apresentar uma nova perspectiva... quero que imaginem a seguinte situação: vocês são adolescentes, saem com um carinha que estão a fim, se beijam e chegam aos finalmentes... mas vocês esquecem de usar a camisinha, esquecem de tomar a pílula, ou fazem a tabelinha errado, e engravidam. Ai, seu namorado, que dizia te amar, termina com você, alegando que o filho não é dele. Seus pais, são religiosos ou querem ser a família perfeita e te expulsam de casa. Ai, você fica com muita raiva daquela criança que destruiu a sua vida...
Simone e Soraya estavam atentas às palavras de Giullia, tentando realmente se colocarem na situação. Então Giullia continua:
—Eu sei o que vocês vão falar, já ouvi muito isso, e é muito simples dizer: "se tivesse usado camisinha isso não teria acontecido." E eu pergunto: como se põe uma camisinha? Por que tem que ser usada? Muitos pais não falam sobre isso com os filhos, e a escola também não ensina com precisão. E isso, é uma coisa que deveria ser falada, para evitar, além do aborto clandestino, a gravidez na adolescência, em que a menina para de estudar, ou fica afastada da escola, por medo ou vergonha, e tem todo o futuro prejudicado. E assim, qual o futuro que ela vai dar para a criança? Qual assistência?
E quanto à clínica clandestina, muitos pais forçam a menina a abortar nessas clínicas, ou ela mesmo procura com medo da reação dos pais, e muitas morrem pelas condições precárias. Isso poderia ser evitado se ela simplesmente pudesse ir ao hospital e fazer sem problemas e com segurança. E isso não torna uma "festa do aborto", na verdade, muito pelo contrário.
Percebendo os olhares de Simone e Soraya, Giullia continua:
—Não estou pedindo ou forçando vocês a nada, só quero que pensem a respeito da realidade de tantas crianças que são abandonadas na rua sem nenhum suporte... Percebem como essa questão engloba muitas outras? Como um problema afeta vários outros problemas? Quase em uma escala dominó...
Simone confirma e pensativa, olha para Soraya que parecia estar em outro mundo, perdida em seus pensamentos. Soraya olhava para um ponto fixo no chão enquanto escutava Giullia e se lembrava de sua gravidez, em que não se sentia preparada para ser mãe, mesmo já estando casada. Lembrou que passava em sua cabeça na época, a ideia de dar para adoção, ou abortar. Mas não o fez por medo, e resolveu ter o filho. Assim, lembrando-se dessa situação, tentou se colocar no lugar de outras situações. Quando voltou a realidade, viu que Simone e Giullia a olhavam com preocupação, e diz:
—Desculpe, eu estava perdida em meus pensamentos... o que diziam?
—Eu disse para Giullia que iremos analisar com mais atenção esse assunto, e procurar medidas para solucionar esses problemas. —Simone responde olhando para Soraya que concorda e diz:
—Ah sim, com certeza. Se não para solucionar, para pelo menos amenizar tal situação.
—Obrigada senadoras! É importantíssimo que vocês como mulheres pensem na realidade das mulheres.
—Imagina, eu agora como líder da participação feminina no senado, irei conversar, discutir e analisar sobre vários assuntos e propostas com as outras senadoras, e tentaremos sempre fazer o melhor... Eu particularmente sou contra, mas tentarei acatar propostas em meus planos, não só sobre isso, mas de diversas áreas também, pois como você disse, uma área engloba outra. —Simone diz e elas vão conversar com as crianças, que abraçam-nas, brincam e sentam no colo delas. Depois de um tempo saem dali se despedindo de Giullia que agradece:
—Muito obrigada pela visita de vocês, por terem aceitado falar comigo e conhecer a clínica.
—Imagina, eu que agradeço pela oportunidade. Com certeza farei algo a respeito, e eu irei fazer algumas ligações para ajudar com as doações. Eu mesma vou doar uma quantia também. —Simone sorri segurando a mão de Giullia.
—Verdade, nós que agradecemos. Eu irei fazer uma doação também, e tomar medidas a essa questão. —Soraya concorda com Simone e complementa sorrindo.
As duas saem de lá conversando, e quanto chegam a calçada, Simone pergunta:
—Enfim, vamos ao restaurante agora?
—Desculpe, está ficando tarde, e eu preciso fazer uma coisa. Deixa para outro dia, tudo bem? —Soraya responde um pouco distraída em pensamentos.
—Tudo bem então... —Simone responde e Soraya fala um "tchau" baixo, quase incompreensível, e sai andando de volta pelo caminho que vieram, distraída em seus pensamentos. Simone fica observando ela ir, notando algo que ela estava omitindo, mas resolveu não perguntar para respeitar a vontade dela.
Soraya chega em casa, e como era fim de tarde, por volta das 17h, seu marido não tinha chegado ainda. Então ela aproveitou, foi direto para seu quarto, pegou um banquinho e colocou em frente ao closet, e na última prateleira do topo, pegou uma caixa pequena que estava escondida entre as roupas de cama, e levou até a cama. Se sentou na cama e abriu a caixa, pegou um teste de gravidez e olhou para a etiqueta indicando positivo. Depois, pegou uma passagem de avião com um carimbo escrito "cancelada" na frente. Depois pegou uma caneta dourada e em seguida pegou uma foto dela segurando seu filho bebê. Deixou cair uma lágrima, e guardou tudo, menos um, de volta na caixa, e guardou a caixa de volta no closet bem escondida.

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