Fazenda

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A essa altura de horário, Soraya já esperava Simone na entrada do estacionamento, quando ela chegou de óculos escuros e Soraya entrou no carro. Assim que Soraya entrou Simone levantou os vidros escuros e a cumprimentou com um selinho.
—Ui óculos escuros... amei você assim. —Soraya diz e Simone sorri tirando os óculos escuros e prendendo na blusa.
—então pra onde a gente vai?
—Aconteceu um problema, desculpa de verdade. Mas me ligaram agora dizendo que tem algum problema lá na minha fazenda, eu vou ter que ir lá ver o que é...
—Ah sem problemas, eu vou com você. —Soraya diz segurando na mão de Simone que estava em sua perna
—Sério? Não se incomoda? É um pouco longe, umas 3 horas de viagem, e a estrada lá perto é de terra.
—Não vejo problemas, e o César vai chegar tarde em casa hoje então... Vamos lá. Quero conhecer sua fazenda, você nunca me levou lá.
Simone abriu um sorriso quando percebeu que pela primeira vez Soraya não se referiu ao César como seu marido.
—Então tá bom, vamos lá. —Simone liga o carro de novo e começa a dirigir. —Eu ia te levar lá, é que já faz muito tempo que não vou para lá...na verdade nem é minha fazenda, é da minha família, é herança do meu pai. São duas: tem o chalé que meu pai deixou para o Sr. Odair, aquele que te levei. Foi onde eu cresci. E essa que vamos hoje, meu pai comprou quando eu já era adolescente então eu não tenho muita memória aqui quanto no chalé, eu não ficava tanto aqui quanto lá. Mas claro, tem algumas memórias sim... Algumas não tao boas... foi aqui que meu pai morreu.
—Sério? —Soraya pergunta passando a mão pelas costas de Simone que não tira o olho da estrada.
—Eu lembro até hoje: eu fui até o escritório dele para contar alguma coisa e encontrei ele caído no chão. Fiquei desesperada chorando, e gritando para alguém chamar a emergência, até que a empregada entrou no escritório e me viu com meu pai nos braços, ela ligou para a emergência e ele ficou internado por uns dias até morrer. O câncer já tinha avançado muito...era inevitável. —Simone deixa escorrer uma lágrima e solta um sorriso para Soraya sem tirar o olho da estrada tentando parecer forte.
—Eu não sabia que tinha sido assim, você estava ali presente em todo o momento... sinto muito —Soraya enxuga a lágrima do rosto de Simone e volta a passar as mãos pelas costas dela.
—Eu penso em vender essa fazenda as vezes sabe? Mas não posso, porque além de ser herança de família, tem minha mãe, minha irmã, e tem uns rolos envolvendo ela também...
—Rolos?
—MST.
—Ah...
Soraya coloca uma música para animar o clima ali no carro. Escolhe: Best of you - Foo Fighters. Começa a cantar com a mão imitando um microfone. O que fez Simone se alegrar e cantar junto com ela enquanto dirigia.

Algum tempo depois, chegam na entrada de uma fazenda que parecia enorme vista de fora, e por dentro era muito maior. Era rodeada de mato e tinha uma porteira de madeira, que um homem que parecia ser o caseiro abriu para Simone entrar. Simone o cumprimentou e estacionou o carro perto da casa.
Saindo do carro dava para ver que era um terreno enorme, e muito bonito. Perto da casa que era bem grande, tinha uma piscina, e ao longe dava para ver algumas plantações e máquinas. Soraya ficou boquiaberta olhando em volta, e Simone a chamou para acompanha-lá atrás do caseiro.
—Eu chamei sua mãe e seus irmãos Dona Simone, mas eles só vão vir amanhã. Eu deixei os papéis que chegaram em cima da mesa. É assunto de urgência. —o caseiro fala enquanto destranca a casa e Simone entra indo direto para a mesa pegar os papéis.
—De novo essa mesma história... eu não sei mais o que fazer. —Simone diz largando os papéis com força em cima da mesa e solta um suspiro de impaciência.
Soraya vai até ela e passa as mãos pelos braços dela a abraçando e tentando acalmá-la dizendo:
—Calma meu amor... O que aconteceu?
—Estão querendo tirar a fazenda da minha família de novo! —Simone diz em tom de raiva começando a se acalmar quando sente o toque de Soraya.
—Mas eles podem fazer isso? Tipo, a fazenda é reconhecida da sua família há muitos anos.
—Poder eles podem né? Mas não devem!
—As coisas vão se resolver. Amanhã sua família está aí e vocês vão poder resolver. — Soraya diz apoiando o queixo no ombro de Simone e dando um beijo no mesmo, enquanto passa as mãos pelos braços dela.
—Acha que eu sou uma péssima pessoa? —Simone pergunta se virando pra Soraya e segurando os braços da mesma.
—Você? Por que tá perguntando isso? —Soraya franze a sobrancelha
—Acha ou não? Seja sincera comigo, Soraya. Você é a pessoa mais importante da minha vida, por isso eu preciso mais do que tudo que você seja sincera comigo. —Simone diz
—Você é a melhor pessoa que eu já conheci em toda a minha vida! É a pessoa mais doce, gentil, carinhosa, educada, amorosa, dedicada e sonhadora. Nem de longe é uma péssima pessoa. —Soraya passa a mão pelo cabelo de Simone com olhar de admiração.
—Então eu faço coisas ruins.
—Todo mundo faz coisas ruins em momentos da vida, faz parte do aprendizado... Eu sei no que está pensando com essas perguntas, e o que eu te digo é: você não é uma pessoa ruim, você só esta protegendo sua família, qualquer pessoa faria o mesmo.
—Mas então eu não deveria me sentir mal por isso. E é como eu venho me sentindo, há anos. —Simone responde enchendo os olhos de lágrimas mas tentando segurar para parecer forte na frente de Soraya.
—Olha, eu não devo e nem cabe a mim te dizer o que deve fazer porque é uma situação séria e complicada, e eu não quero que faça a escolha errada por minha causa, até porque eu nem sei qual a escolha certa também. Essa é uma coisa que você precisa decidir sozinha com sua família sobre o que fazer. Mas o que eu te peço: pensa em você também Simone! No seu bem estar, sua saúde mental, não vale a pena ficar se desgastando tanto só para proteger sua família. Eles fizeram a escolha deles, você não tem culpa dessa escolha deles, você não tem culpa do que eles fizeram no passado, você não é responsável por eles e você não é definida por sua família. Ninguém tem poder sobre sua vida, ou o poder de te fazer se sentir mal se você não deixar! —Soraya termina de falar e Simone a abraça forte, como se sentisse medo. Soraya retribui esse abraço e fica pensativa. Lembra do que Odair, o caseiro do chalé, disse a ela sobre Simone: "Simone se faz de forte para todo mundo, finge dar conta de tudo e cuidar de todo mundo, mas no fundo ela ainda é aquela mesma garotinha tímida e frágil que se sentia sozinha e procurava o pai para brincar com ela, e quando ele negava pelo trabalho ficava triste. A mesma garotinha que entrou na política para chamar a atenção do pai, a única companhia que ela tinha." Soraya sentiu que estava conhecendo essa Simone que Odair havia falado, a Simone que ninguém conhecia e que tinha prometido para Odair que nunca iria machuca-lá, e que cuidaria dela como ninguém pode. Pensando nisso, Soraya apertou um pouco mais o abraço e deitou a cabeça no ombro de Simone.

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