Capítulo 3.1 - Aquilo que não cicatriza

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  Atualmente, alguma data de 1987

   Caminhando pela floresta logo ao lado da estrada, eu seguia aquele cara rumo ao acampamento chamado Rhodes. Era perigoso demais andar pela estrada em si, poderia haver mais daqueles traficantes de pessoas por ali apenas esperando a chance de conseguir uma nova mercadoria. O mato baixo facilitava a nossa caminhada, estava úmido devido a uma chuva recente, ao menos não parecia ácida como a que foi na cidade, dava para beber.
   — Falta muito para chegar? — Perguntei
   — Caminhando.. alguns dias. — Ele respondeu sem nem sequer olhar para trás.
   — Meu nome é Christopher, posso saber o seu?
   Ele virou um pouco o rosto em minha direção.
   — O'Connor, não precisa saber meu nome.
   — O que fazia naquela casa sozinho no meio do nada?
   Ele parou a caminhada e olhou para mim. Aquele senhor aparentava estar na casa dos quarenta anos de idade, tinha o cabelo de altura mediana jogado para trás e uma barba de semanas sem fazer.
   — Não me faça perguntas, eu disse que te levaria até o acampamento mas não lembro de ter dito que ficaríamos batendo papo durante o caminho.
   O assunto acabou ali, alguns segundos de silêncio vieram e, para quebrar o climão, o mesmo voltou a falar:
   — Vamos parar de caminhar por hoje, logo vai escurecer. Precisamos montar a nossa fogueira.
   Durante uma hora ou duas horas, montamos uma pequena tenda em um dos poucos locais onde não estavam úmidos: uma área de alguns poucos metros cercada por rochas. A fogueira acabou sendo outro desafio, encontrar galhos secos naquele lugar foi difícil, mas por fim conseguimos. Havia espaço apenas para uma pessoa na tenda e eu duvido que seria para mim.
   O'Connor pensou um pouco antes de dizer qual seria o plano ali. Ele se aproximou de mim e entregou um casaco, eu estava o dia todo sem uma camisa sequer, andava apenas com uma calça velha, sapato e o braço enfaixado com os resto da minha antiga camisa. Imediatamente eu o vesti o casaco, era o suficiente para evitar ser congelado pelo frio que viria com a madrugada.
   — Você pode dormir no primeiro turno, eu fico de vigia. — Ele disse verificando as munições em seu rifle. — Te acordo quando for a hora.
   — Vai me dar alguma arma?
   — Não, se acontecer algo no seu turno me acorde e eu resolvo. Se alimente e vá dormir, preciso de você descansado pra depois.
   Ele jogou a mochila no chão perto das paredes de rocha do nosso abrigo, onde ele se sentou e começou a esquentar as próprias mãos na fogueira. E por falar na fogueira, uma pequena panela com comida estava sendo aquecida ali, era nossa alimentação daquela noite.
   Meia hora se passou depois da nossa janta e eu não conseguia dormir. Rolei para o lado naquele chão duro tentando achar uma posição que, de alguma forma, me desse sono. Sem sucesso. Além daquilo, o que me impedia de dormir era a vontade de saber sobre meu passado e sobre a loira que sempre invadia meu sonho.
   Me levantei e sentei no chão, O'Connor estava sentado com o rifle na mão olhando atento a qualquer movimento. Eu me aproximei dele e sentei próximo a ele.
   — Disse para você descansar.
   — Não consigo. Eu tô pensativo demais sobre algumas coisas.
   Além do som da madeira estralando com o fogo da fogueira, o som de grilos ao redor da floresta eram os únicos sons do ambiente.
   — Eu queria saber como começou tudo isso... sobre os zumbis, sobre como tudo isso se tornou essa merda.
   — Não estava aqui quando aconteceu? — O'Connor disse sem tirar sua atenção da floresta.
   — Eu não lembro de nada..
   — Hmm...
   Ele levantou e pegou algo que fervia em uma panela na fogueira para beber. Não soube descrever o que era aquilo, mas era o que o mantinha acordado.
   — Eu não estava no país quando aconteceu. Eu participava das defesas no norte do país, que estava sendo invadido pelo Imperium quando tudo aconteceu. — Ele bebeu mais um pouco daquela coisa. — Quando as tropas foram chamadas para retornar e ajudar a amenizar o caos, a merda já tinha acontecido.. eu só pensava na minha família o tempo todo.
   — Uma guerra? — Lembrei imediatamente da lembrança que eu tive uns dias antes. Meu pai visitava a família poucas vezes, eu o via com as roupas do exército na lembrança.. — Desde quando essa guerra está acontecendo?
   — Bom.. a guerra mesmo... Acho que 1 ano, mas antes disso já havia tensão entre os dois países, pequenos conflitos sempre rolaram há décadas.
   — Entendi... Mas.. e sobre sua família? O que aconteceu quando voltou?
   O'Connor levantou do chão e virou de costas para mim indo em direção a tenda.
   — Já que não consegue dormir, então pode ficar de guarda essa noite. Me acorde se vir alguma coisa.
   Ele se deitou e ficou de olhos abertos por um período olhando o céu, em seguida fechou os olhos. Sobrou para mim ficar vigiando durante aquela longa madrugada.
  
   Eu acordei, era manhã.. Eu havia dormido sentado, não sei quanto tempo eu fiquei acordado de vigia antes de pegar no sono. O'Connor estava apagando a fogueira, a tenda já havia sido desmontada, aparentemente iríamos seguir caminho naquele mesmo momento.
   — Você é um péssimo vigilante, sabia? — O'Connor disse enquanto chutava os restos da fogueira, espalhando os galhos queimados.
   — Desculpe... Eu nem percebi a hora que dormi.
   — Vamos. Se der tudo certo, a gente chega amanhã mesmo.
   E passamos mais uma manhã inteira caminhando, poucas foram as palavras que trocamos, a viagem fora silenciosa até o momento em que nos aproximamos de uma nova cidade.
   — Estamos com pouco suprimento, não acha que devemos entrar na cidade e procurar por coisas que nos ajudem? — Eu disse com respiração ofegante, um tanto exausto da caminhada.
   — Estamos no leste do país, aonde o bombardeamento foi severo. Algumas cidades sofreram até mesmo com bombas nucleares na expectativa de diminuir a população dos zumbis. Você vai ser exposto a radiação se entrar em alguma dessas cidades.
   — A gente não encontrou nenhum zumbi durante a nossa viagem, então no fim das contas foi bom, diminuiu a população dos zumbis... Isso claro, se tiverem evacuado as pesso...
   — Não houve aviso de evacuação.
   Eu parei a caminhada e logo em seguida O'Connor parou também. Ele soube na mesma hora que aquela informação tinha sido dura para mim.
   — Se você está vivo agora, ou estava fora das cidades ou em algum lugar bem protegido dentro delas. Mas saiba garoto, se você está vivo nesse exato momento e na região aonde foi o epicentro do vírus e alvo de bombardeios, você é um garoto sortudo. Ou não... seria melhor ter morrido — Ele voltou a caminhar — ... Seu sofrimento teria um fim.
   Um déjà vu aconteceu na minha cabeça, todas aquelas informações.. eu sentia que já havia vivido.. de fato eu vivi, mas não conseguia lembrar. Eu me forcei muito para lembrar, sentia estar bem próximo de saber todo meu passado e senti raiva de mim mesmo após falhar. Eu só precisava de mais algumas informações, eu com certeza me lembraria de tudo.
   — O'Connor... Aonde tudo começou? Quero saber mais coisas, me conta tudo o que você sabe..
   — Não tô afim de lembrar do passado.
   — Mas, eu preciso lembrar do meu passado.. do que aconteceu.
   — Shh...
   — Você tem que me dizer, eu sinto que estou quase...
   O'Connor tapou minha boca usando uma de suas mãos enquanto me puxou para baixo com a outra. Logo percebi que na nossa frente, cambaleando pela estrada, estava mais um grupo de zumbis.

A Última Era: Além Da Catástrofe (I)Onde histórias criam vida. Descubra agora