Quando Charles e eu chegamos, os dois já estavam lá. Vestidos em fardas, eles se encontravam em frente ao fusca branco e azul. Seu giroflex estava desligado sobre o capo e suas portas estavam abertas, deixando vazar o som chiado que vinha do comunicador.
Entretidos com as testemunhas, que contavam sobre o ocorrido, os policiais nem se deram conta de nossa presença.
Charles, que ainda estava dentro de um beco, olhando a multidão em torno dos guardas, se apressou. Enfiou a mão por de baixo de seu manto nego e, empunhado de uma caneta, se pôs a escrever em um pequeno pedaço de papel. Levou cerca de cinco minutos para concluísse o seu bilhete e, tão logo finalizou, se apressou em cruzar a rua. Quando me dei conta, ele já estava a uns cem metros dos dois.
Era a primeira vez que o via saindo dos becos escuros, se fazendo visível a luz clara da lua. Felizmente, todos eram cegos.
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─ Você sabe o que ele escreveu naquele papel?! ─ A Morte tornou a interromper, mas desta vez, Janet já estava tão acostumada que nem pestanejou.
─ Eu não pude ver....
─ Bom... ─ A Morte retomou.
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─ Ok, senhora... ─ Falava Many espaçadamente enquanto Richard se fazia mais distante, empunhando uma carabina recheada de balas de borracha.
─ Você viu para onde o homem correu depois que saiu do carro?
O maldito tentava prestar atenção na conversa dos dois, mas não conseguia. Seu coração estava acelerado, sua mão tremelicava e, no fundo, ele sentia uma imensa vontade de correr!
Minha presença lhe trazia um certo incomodo. Por isso, Richard tentou relaxar e voltou seus olhos para o céu. Acima de sua cabeça se deparou com a noite recém-chegada, clareada por um ladear de estrelas cintilante e, sentiu-se um pouco mais relaxado. Mas, quando voltou a si, lutando para não perder o foco, seu olhar entediado correu em meio ao público que assistia a fatídica peça e, algo lhe chamou atenção. A princípio parecia uma mancha negra dentre a multidão.
Não era eu!
Ele teve de forçar os olhos e, com um pouco mais de atenção, pode notar quando aquela sombra negra lentamente se moveu. Junto dela, um rosto em carne viva (como um demônio), se estendeu. Os olhos dos dois se cruzaram e, no mesmo instante, seu corpo inteiro se arrepiou; dos pés até o último fio de sua cabeça. Era Charles, mas Richard não conseguiu reconhece-lo.
Os dois ficaram a se encarar por um bom tempo.
Aqueles olhos azuis queimavam como a chama do inferno, que lhe aguardava abaixo de seus pés. Eles gritavam incessantemente em silêncio. Ansiavam a sua carne, seu sangue, sua dor.
Pela primeira vez na vida o maldito homem de olhos castanhos sentiu medo e, um incontrolável e aterrorizante abateu o coração. Seu corpo ficou completamente paralisado e o ar faltou em seu suspirar. Foi este mesmo medo que lhe fez erguer a arma.
─ Parado aí, não se mecha ─ Richard gritou enquanto mirou diretamente para o público a sua frente.
Todos começaram a sussurrar:
─ Ei o que é isso? O que este maluco está fazendo?
Many estava tão compenetrado no testemunho que nem se deu conta, neste primeiro instante, do que se passava.
O maldito, apesar do murmúrio de reprovação, continuou a olhar aquele rosto lunático a sua frente, que parecia imóvel e, não abaixou sua arma. Da distância que estava tinha a plena certeza: Aquele ser negro, por baixo daquela máscara de carne, sorria. Seus dentes se arreganhavam em um algo lunático e terrível.
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Amor, meu doce amor. Um conto para a morte!
RomanceAs crendices e credos são repassados de geração a geração como um legado moral de culto ao impossível. Suas raízes se desabrocham, crescem e se reproduzem dentro da mente humana, feito fantasmas (que são). Elas se proliferam como inevitáveis frutos...