O primeiro contato.

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─ Sei que não é uma hora muito propicia para este tipo de coisa, mas queria que você soubesse: Eu sempre me importei com você!

As duas se encararam, uma incrédula da outra.

─ Como assim? Do que você está falando?!

─ Por favor.... Só queria que você reconhecesse isso. Eu fiz o que pude! Sei que não foi muita coisa, afinal de contas, foi assim que tudo acabou. Mas, isto é só o que faço, não é quem sou. Você consegue entender?!

─ Tanto faz! ─ Janet desconversou. No fundo, era indiferente e, nada que A dama de Negro lhe dissesse a consolaria. Ao final de todo o sofrimento, seu último suspiro havia chego como o previsto: Sem um final feliz!

Mesmo assim, a outra persistia em uma ânsia tola de arrancar das entranhas da pequena um animo que ela não havia encontrado nem mesmo em vida.

─ Apesar de você não saber, na maior parte do tempo, eu estive ao seu lado. Eu acompanhei toda a trajetória de suas vidas, sempre por de trás dos panos.... Às vezes é difícil admitir, mas de certa forma: Eu lhe aprecio. Você é um ser louvável. Sua força, sua persistência...

Nesta segunda investida a pequena olhou incrédula para sua confidente. Estavam claro o desgosto e a surpresa impressa em seu olhar diante de tal "afetividade". Seu intrigante estranhamento não era algo de se assustar dadas as circunstancias de sua vida. E, Janet não esperava mais que um beijo gélido, vindo como um sussurro certo, encubado em um silêncio mortífero e, por fim, a escuridão eterna. Por este motivo, sentia-se não uma, mas, duas vezes, traída pela sua temida e tão indesejada "amiga"

─ Vem cá... você não tem mais o que fazer?! ─ Por fim, ela concluiu.

A outra, em resposta, lhe encarou seriamente. Desta vez, seus grandes olhos amarelos se fizeram duros e dignos de serem temidos por qualquer mortal e, no fundo, a pequena achou melhor assim.

Por dentro, a Morte sorria desmedidamente com um ar zombeteiro de quem pensa: "A quem ela quer por medo?!" Mas, sua curiosidade era maior! E, por este mesmo motivo, dentre penumbra lúgubre urgiu a sua eviterna voz, mais uma vez:

─ Porque você me odeia tanto?!

Havia um longo tempo em que as duas vinham esperando por este demorado reencontro, porém, a única coisa que Janet conseguia sentir ao encara-la de frente era raiva, desprezo e um rancor incerto por ter se atrasado tanto em sua chegada. Sentia-se irremediavelmente irada por ter lhe dado esperanças nulas; por não ter interferido em nenhum dos fatos; por ter mentido e, basicamente, por ser quem é!

─ Não parece mais que óbvio? ─ Por fim, a desajeitada se permitiu debochar.

Dito isto, o que restou foi o silêncio que pairou e encobriu, como um lençol acetinado.

Sua deslizante companheira suspirou e ergueu sua cabeça, fitando o céu, como se procurasse Deus em um infinito incontável de estrelas. Em sua mente o caos. Tentava encontrar, dentre toda a sua sabedoria ancestral as palavras mais simples e compreensíveis. Seria necessário atinar a mente e atingir os argumentos certeiros; que não dessem margem ao erro. Era preciso montar um discurso capaz de acalmar uma alma recém-desencarnada, pois, havia chego a hora, ainda que tardia! Aquele era o ponto final; o último ato; o fim da trilha. Tudo teria de ser revelado, ainda que isso resultasse no ódio eterno.

Longos segundos se passaram até que ela concluísse, em sua mente. E, quando seus olhos finalmente se abaixaram e voltaram a se encontrar com os da recém-falecida, a Morte pareceu tão mais humana, mortal e tão menos monstruosa.

─ Que tal um trato?!....

Esta não era uma pergunta, mas uma súplica (uma espécie de último pedido). Da Morte para a alma; do monstro que era para a recém desencarnada.

─ .... Conte-me a sua história. É tudo que lhe peço!

Janet ficou confusa. Não sabia o que dizer, ou, o que esperar. Por este motivo, a Morte prosseguiu sem que se desse tempo para uma resposta.

─ Ao final, eu prometo que lhe darei um presente. Juro por tudo que há de mais sagrado: você não irá se arrepender. Eu posso esclarecer suas dúvidas e, quem sabe, mudar todas as coisas que você pensa sobre mim. Posso esclarecer tua vida por uma perspectiva que você nunca irá compreender se não me ouvir.... Preste atenção em minhas palavras: Esta é a última chance, para nós duas! E, eu sinto, no fundo da minha'lma, que você não deve partir assim. Não está certo! Você me entende?! Há tantas coisas que eu gostaria de lhe dizer, mas será impossível sem a sua colaboração.

Desta vez, Janet não se fez perverter e, o estranho ódio que pairava sobre o seu semblante tenso se dissolveu. As palavras da Morte foram efetivas e tocaram um Algo dentro de si que se remexeu e bailou na boca do estomago.

Tão imersa na avalanche de solidão que repentinamente a soterrava, a pequena virou-se, mais uma vez, de costa para a imortal. Adiante a sua visão, uma imensa casa de campo se revelou. Infelizmente, a essas alturas, já não havia mais ninguém ali!

Junto da visão das madeiras velhas e do imenso furgão branco, suas memórias se reavivaram em um flash súbito: Sob aquele telhado, daquela mesma residência que um dia ousou chamar de lar; ela vira sua história ser arraigada em amor, compaixão, compreensão e, logo em seguida, em ódio e desgraça. Ao final de todo o sofrimento, o ápice de sua enfadonha vida havia se resumido em um ato que jugara supérfluo: sem glamour algum e sem condecorações!

Diante desta verdade nauseante, uma amargura rançosa lhe arranhou a garganta.

Foi justamente com este mesmo gosto em sua boca que ela concordou; primeiramente, no fundo de sua alma:

"Afinal, vai fazer alguma diferença?!"

Ela duvidou!

Nada mudaria! Estava tudo acabado! Não haveria um novo amanhecer, nem segundas chances para as palavras nunca antes ditas. E, em um último segundo infame, carregado de uma ironia colossal, Janet ─ que tanto havia lutado em vida ─ se consolou na dormência sensorial de se encontrar não menos que morta.

─ Está tudo bem... ─ Declarou. ─.... Eu não tenho mais nada a perder não é mesmo?!

Seguido destas palavras a Morte deixou escapar um sorriso, quase que sem querer. Era bobo: como o de uma criança que não se consegue conter suas próprias emoções. Janet pode notá-lo e duvidou que realmente estivesse vendo aquela cena, mas as palavras que vieram a seguir, entonadas em um vibrar gutural, lhe deram a certeza:

─ Ótimo... Era isso que espera ouvir de você!

Assim, Janet inspirou fundo e repassou em sua mente as palavras que acabara de ouvir:

"...eu prometo que lhe darei um presente."

Pouco lhe importava qual seria o seu consolo (e, nenhuma palavra parecia se encaixar melhor), mas algo lhe perturbava a paz de espírito.

".... Esta é a última chance, para nós duas..."

Ela conseguia entender toda a profundidade desta afirmação!

No fim, esta seria sua última ocasião para se redimir; a última oportunidade para entender suas dores e sofrimentos. Seria sua última provação.

─ Tudo bem! ... ─ Sem saber de onde partir, Janet ajeitou-se no chão duro do asfalto e começou a falar em um tom tímido, quase tropeçando nas próprias palavras... É bem verdade que a pequena demorou um bom tempo até conseguir encontrar o rumo certo de sua prosa, mas o que viria a seguir seria difícil de ser dito e, por este motivo, nem a Morte poderia lhe culpar! 

Amor, meu doce amor. Um conto para a morte!Onde histórias criam vida. Descubra agora