Com o passar dos dias o príncipe encantado perdeu seu brilho e, tão logo, Mary começou a conhecer sua verdadeira face.
Eu estava certa! Sempre estive, desde o começo. Porém, Mary não desistiria daquele maldito.
Ela não poderia prever o que estava por vir!
Às vezes Priscila passava as manhãs comigo no celeiro, longe de casa e daquele monstro que, vez ou outra, tomou por costume o hábito de dormir ali. O tédio mortal era sempre o culpado, ele fazia com que a pequena levasse seu diário junto em suas visitas. Ela ainda lia para mim tudo o que escrevia, mas as palavras eram cada dia mais duras e menos infantis; elas já não falavam mais de amor, apenas de ódio e solidão!
Mesmo nunca descrevendo um nome em especifico, eu sabia.... Ela falava de Richard!
Seus pequenos dedos apertavam forte a caneta e suas palavras quase atravessavam a folha enquanto ela o descrevia:
"Gostaria que ele morresse. Poderia morrer sufocado com seu palito dente. Ou, quem sabe, em um acidente de carro... Como gostaria que ele sumisse logo de minha vida!"
Outras tantas vezes minha amadinha se rendia e chorava, sempre escondendo as lágrimas para que ninguém visse sua "fraqueza". Os respingos silenciosos acabavam por chocar-se com seu diário e borravam a marca de sua caneta.
"Sinto falta de minha mãe. Onde ela foi parar?! Será que a velhice torna as pessoas mais burras?! Ou, será que as torna mais arrogantes?!..."
Eu era capaz de compreender a sua dor, mas nunca conseguia consola-la!
*** ***
Em um dia qualquer, sem nenhuma explicação, deram-me de volta a tão esperada liberdade.
A princípio foi estranho sair daquela masmorra e ter de volta a vida que havia perdido. Priscila ainda me olhava diferente, havia sempre um misto de curiosidade e medo. Mary não me deixava mais deitar ao seu lado. Agora, aquela casa era unicamente dele... Aquele maldito homem com o hábito horrendo de mascar seu palito de dente.
Minha cama ainda estava arrumada ao lado de onde Priscila dormia, mas, sempre que me deitava, era tomada de uma insônia inquieta! Ficava pensando horas a fio naquele estranho dentro de nossa casa. Seu espectro, como um espirito maligno, parecia estar roubando a vida de Mary e levando Priscila a loucura.
Minha intuição se aguçava, algo estava para acontecer. Tão breve e inevitável...
Eu ficava ali, contando os segundos, fingindo ser indiferente; fingindo não sentir aquela aura doentia que pairava sobre aquele estranho homem. Tudo que desejava era nunca mais ser enclausurada novamente naquele lugar sujo e fétido. Mas, durante a noites me pegava pensando:
"Que tipo de maldade este homem poderá causar às duas."
Teria de ser capaz de salva-las quando o momento chegasse. Teria de estar pronta... era tudo que conseguia sentir.
Foi quando o pior aconteceu!
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─ .... Que fique claro... ─ Janet virou-se e falou como se estivesse pedindo desculpas, antes mesmo de revelar a verdade.
─ Tudo aconteceu tão rápido... ─ Ela se engasgou nas palavras. Lhe doía no fundo do peito ter de reviver aqueles sentimentos.
─ .... Eu não pude evitar!
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Havia passado a metade da noite de guarda, sem conseguir dormir. Estava cismando com todo e qualquer barulho que ouvia. Cada vez que fechava meus olhos os pesadelos tomavam minha mente. Era sempre o mesmo: Nele, Priscila gritava comigo. Suas palavras eram duras e sujas demais para uma criança e, logo em seguida, ela me arrastava de volta para o celeiro. Mas, neste enfadonho dia não era um pesadelo.
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Amor, meu doce amor. Um conto para a morte!
RomansaAs crendices e credos são repassados de geração a geração como um legado moral de culto ao impossível. Suas raízes se desabrocham, crescem e se reproduzem dentro da mente humana, feito fantasmas (que são). Elas se proliferam como inevitáveis frutos...