XIX. Palavras esquecidas.

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A segunda semana se passou sem muitos alardes. A única novidade era que: Euclides estava preste a voltar para casa, mesmo contra a sua própria vontade! Seu plano, inicialmente, era ficar hospedado em hotéis nos arredores do centro da França por um período de ao menos seis semanas. Seria este o tempo necessário para reavivar as antigas amizades e frequentar os lugares mais requintados em busca de especiarias, comida típica da região e roupas. Infelizmente, seus planos não foram concluídos!

Sua desgraça começou como uma simples dor de cabeça. A princípio ele julgou ser só mais uma consequência na somatória de incômodos proporcionados pela idade avançada, mas não demorou muito tempo para que a sua dor se agravasse. Por fim, o velho decidiu em buscar ajuda, mas sua triste sina já havia sido tramada.

Sem mais opções, ele teve de retornar bem antes do esperado (na segunda feira da terceira semana). Rearranjou apressadamente a sua agenda, de última hora e, acabou pegando todos de surpresa, mas nem isso foi capaz de trazer de volta o sorriso no rosto de Charles. Alias, nada seria capaz de fazê-lo sorrir novamente, a não ser uma pessoa: Priscila. A mesma que havia lhe dado às costas, deixando um enorme vazio em seu peito. Sem entender direito o que tinha acontecido, Charles descarregava o seu ódio sobre mim. Ele me via como a culpada por ter feito Priscila sumir de sua vida. E, não era de todo errado por pensar isso.

Nesta época minha barriga já começava a dar os sinais daquela indesejada gravidez, fruto do último encontro com Duck...

Eu estava grávida! Mas, Charles não se importava. Nem ele, nem ninguém. Agora, sobrevivia com os restos de comida que os empregados de Euclides me deixavam. Aliás, eram eles é que mantinham tudo ainda funcionando. Eles cuidavam da comida de Charles, de suas roupas e da casa. Fora dali os funcionários, também, governavam as lojas enquanto Euclides estava de viagem. Para Charles apenas restava a obscuridade de sua mansão vazia e a certeza de ter tudo e, ao mesmo tempo, não ter nada ─ pois ninguém viria lhe perguntar como ele estava passando ─. Não havia nenhum amigo que vinha lhe visitar; nenhum parente; nem se quer seu pai por perto para lhe consolar. A consequência inevitável de todos esses fatores foi que: Charles se trancou ainda mais em seu próprio casulo.

Seus empregados temiam olha-lo diretamente por culpa de suas cicatrizes e seus outros defeitos estéticos. Chamava-lhe na surdina de "O monstro" e, cada vez que ele se aproximava, eles fugiam dele como quem foge de um fantasma. Sendo assim, Charles acabara (inevitavelmente) sentindo a repulsa de todos a sua volta. Um ódio de tudo e de todos acabou brotando em seu coração. Era cada vez mais visível este sentimento em seus olhos. Neste ponto o ciclo se reiniciava: Quanto maior o ódio do rapaz, mais medo por parte dos criados. Quanto maior o medo, mais eles se escondiam dele.

Boatos corriam pela cozinha enquanto seus serviçais preparavam o almoço:

─ Dizem que ele matou um homem para roubar comida. ─ Eles murmuravam.

─ Não foi isso que eu soube... ─ Dizia outro. ─ Me contaram que ele matou uma velhinha só para roubar o seu dinheiro.

Assim as histórias seguiam e aumentavam a cada dia, cada vez piores.

Me custava a creditar que uma delas fosse verdade.

Euclides retornou para sua casa naquela segunda. Para Charles era indiferente, se ele voltasse ou resolvesse ficar na França para sempre; se aquele seria o último encontro ou apenas mais um.... Para ele, qualquer coisa seria desigual. Ainda assim, Euclides não pensava deste modo!

Talvez em um passado remoto os dois tivessem se desentendido, ou quem sabe, Euclides tivesse feito algo de muito malgrado a Charles... sei lá! O que importa é que Euclides se fazia distante por um único motivo: Ele não tinha escolha!

Amor, meu doce amor. Um conto para a morte!Onde histórias criam vida. Descubra agora