Dois

378 42 2
                                    

Você já se vestiu Ella? — a governanta me questiona. — Seu pai e seu irmãos já estão te esperando. Seja rápida.

Me sento na cama e meus pés encostam no chão, o contato com a madeira fria me faz pensar que não estou sonhando. Ainda vivo nesse inferno.

Visto-me de maneira simples e prendo o meu cabelo. Recebo outra batida na porta, sinal de impaciência.

— Já vou sair, Marisa! — grito para que ela possa me escutar.

Depois de mais alguns minutos, desço para o andar de baixo, meu pai me olha impaciente e em seguida diz:

— Achei que meus convidados chegariam e você não estaria aqui. É uma imprestável.

Tento não me abalar pela forma como ele me trata, é assim desde que nasci, sei que ele acha que matei minha mãe e pelo que me contaram, ela foi a única coisa que ele amou. Ao me ver parada por muito tempo um dos meus irmãos grita e demoro um segundo para entender que é comigo

— Vamos, Ella. Comece a nos servir!
Vou até a mesa de bebidas e começo a servir a bebida de cada um deles. Faço isso a tantos anos que nem preciso perguntar o que cada um bebe, já sei. Sirvo suas bebidas e fico esperando seus convidados. São homens sujos, trabalham para a Máfia, servem ao meu pai e irmãos. Nunca me tratariam melhor do que eles.

Apesar de ter muitos pessoas idosas, tem alguns na idade dos meus irmãos, tomo liberdade de olhar para alguns por instantes mas logo volto ao meu trabalho. Não quero apanhar em público.

Sirvo todos eles sem nem ao menos olhar para seus olhos duas vezes. Um deles passa a mão pela minha coxa, olho para o meu pai e este ignora meu pedido de socorro. Saio dali e me concentro nos cantos, meu pai fala sobre mortes e extorsões, sobre quem merece morrer ou viver. Escuto tudo aquilo enojada, se eu fosse um pouco mais corajosa venderia informações e iría embora desse lugar.

Minha liberdade está quase sendo comprada, irei embora dessa casa e desse país. Só preciso que Marisa me ajude mais um pouco, ando vendendo algumas coisas que minha mãe tinha antes de morrer e estou prestes a conseguir uma boa quantia dinheiro. Marisa abriu uma conta para mim e deposita todo o dinheiro que consigo. Confio nela mais do que em qualquer pessoa, ela cuida de mim desde que nasci e é a pessoa que impede de eu ser ainda mais humilhada nessa casa.

— Sua filha cresceu, não é mesmo Dom? — a menção a mim me tira dos meus pensamentos. 

— Cresceu. Mas não pretendo arranjar um marido para ela, — ele toma um longo gole da sua bebida e em seguida completa: —  ela não merece ser feliz.

Ele diz isso com muita paciência e sei que fala a verdade. Fico ali até todos irem embora, Luigi, meu segundo irmão ainda me obriga a organizar tudo antes de sair.

Vou para a cozinha assim que termina e Marisa percebe minha tristeza.

— Aguente firme, Ella. Você se livrará disso tudo, eu prometo.

Minha vida nesta casa consiste em de dia ser empregada da minha família e a noite ser prisioneira deles. Eu posso sair de dia, posso ir onde eu quiser, mas a noite eu fico restrita a casa e às vezes, ao quarto. 

O ódio do meu pai por mim vem de minha mãe ter morrido no meu parto, pelo que soube, ela teve uma grande complicação que a levou a óbito alguns dias depois, meu pai ficou com sem a esposa e com uma criança recém nascida que possuia traços de sua mulher. Seus olhos azuis ficaram comigo, seus cabelos loiros também e ainda tenho um rosto muito similar ao dela. Acho que tudo isso faz ele me odiar ainda mais, me ver todos os dias e enxergar ela em mim.

Ajudo Marisa no preparo da refeição e mais tarde subo para o meu quarto. A única coisa que posso chamar de meu nesta casa. De verdade não sei pq ainda tenho direito a um. Já que todo o resto me foi arrancado, até mesmo minha educação foi tirada de mim, tendo estudado somente o necessário para qualquer cidadão comum, enquanto que meus irmãos tiveram acesso as melhores faculdades do país.

Fruto Proibido Onde histórias criam vida. Descubra agora