Página 14|Diferente, todavia familiar

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Talvez fosse impressão ou o cansaço que sentia, qualquer que fosse a resposta, nada convenceria Asta de que algo não estava errado na base dos touros negros. Já havia passado por aqueles corredores milhares de vezes, sabia de cor onde dava cada porta e estrada, onde as vigas se posicionavam, onde estava o próprio quarto, mesmo assim, naquela noite, sendo a primeira que passaria ali em anos, ele sentia que estava dando mais passos do que deveria em direção ao quarto que um dia fora dele, e ainda era, mas, como passou tanto tempo longe, passou a acreditar que aranhas fizeram ninhos enormes por lá e tomaram conta de todo o cômodo.

Talvez a culpa fosse dos anos que passara viajando, procurando novas magias e aprendendo novas técnicas, algo do tipo costuma causar certa perda de memória nas pessoas, porém, o grisalho não era uma dessas pessoas, desde que tocou naqueles brincos pela primeira vez nunca mais esqueceu de alguma coisa, ainda mais uma tão grande e memorável quanto o conjunto de casas que chamava de lar.

Fosse isso ou aquilo, ele decidiu ignorar, ao menos até o dia seguinte, estava quase se deitando no chão para dormir ali mesmo, Toritaro, que estava na mesma situação do dono, não reprovaria, apenas repetiria o ato para no dia seguinte começar a reclamar.

Mais alguns centímetros adiante estava a porta que tanto ansiava encontrar, a que guardava um pequeno quarto, a muito preenchido pelo perfume de algumas flores usadas para treinos a mando do capitão, a tal possuía algo talhado nela mesma, pareciam riscos aleatórias, quando, na verdade, era um nome, se soubessem que era uma escrita pensariam que não era a língua que falavam em Clover, infelizmente, para muitos, era de Clover, o único problema era que a letra de quem escreveu era terrivelmente difícil de se entender, ainda mais quando era talhada em madeira.

"Asta" era o nome ali escrito.

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O acinzentado estava animado, de alguma forma conseguira deixar de lado a maioria das coisas que o perturbava, nada mais importava além da limpeza do quarto que ganhou, o qual seria dele e apenas dele, assim como a cama, a mesa ao lado, tudo dentro do cômodo pequeno e aconchegante.

Quando terminou, o garoto encarou o local, estando de pé sob a entrada com as mãos na cintura, certamente estava um tanto orgulhoso de si mesmo, nem parecia o mesmo quarto de antes, coberto de poeira em cada canto.

No fim, para garantir que ninguém tiraria aquele cômodo de si, ele escreveu o nome que lhe deram na porta com a ajuda de uma pedra afiada e muita paciência, a qual ninguém nunca soube de onde veio.

Finalmente, após anos sonhando, ele era dono do lugar onde dormiria durante a noite, e, poucas vezes, durante o dia também.

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Uma aura de nostalgia simpática era transmitida pelos olhos esverdeados do rapaz, que passava o polegar lentamente pelos sulcos na madeira, podia sentir farpas querendo o adentrar, mas nenhuma delas jamais conseguiu, mesmo a mais forte entre elas.

A ave piou, queria entrar e dormir, ao invés de ficar ali observando o dono se afogar no próprio mar de boas memórias.

⎯⎯Você é uma estraga prazeres.⎯⎯ Disse o humano, tentando provocar o pássaro enquanto cobria a maçaneta com a palma da mão, não adiantou de nada, o outro apenas o encarou por segundos como se dissesse "Abra logo essa porta ou eu mesma o farei, e você não vai querer que eu faça", o maior pareceu entender, mesmo que não houvesse entendido teria aberto a passagem para o quarto, afinal este era o plano desde que chegaram ali.

Para a surpresa do elfo tudo estava limpo, a cama estava vestida com belos lençóis, o travesseiro e o colchão pareciam dez vezes mais macios - isto sendo por culpa do sono -, e as flores, as que coisas que ele menos esperava ver inteiras ou vivas, estavam lá, da mesma forma que estavam quando ele as deixou para trás, algumas que eram brotos naquele tempo agora esbanjavam pura beleza após terem desabrochado, era óbvio que alguém tinha cuidado delas por todo esse tempo, ele tinha suspeitas, mas deixaria isso para o dia seguinte.

O último descendenteOnde histórias criam vida. Descubra agora