CAPÍTULO 4| Traumas

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Há dias que Elias não tinha notícias dela, nem da família. Ao visitá-la podia ver a casa vazia e sem ninguém e por muito tempo foi assim, até aquela quinta-feira ao chegar na escola e vê-la. Finalmente seu coração conseguiu se acalmar. Tentou se aproximar e perguntar o que havia acontecido, para onde tinha ido, mas ela nem o viu chegar. O sinal tocou e a confusão dos alunos a tirou de seu campo de visão.

Mais tarde, durante o intervalo, conseguiu achá-la sozinha em um local totalmente afastado, longe de todos. Ela não era assim.

— Perséfone? — chamou ele, tendo finalmente sua atenção — Você sumiu... — queria fazer muitas perguntas à garota, mas perdeu totalmente o foco ao sentir os braços dela a envolvendo pela cintura, o fazendo quase perder o ar — Uh, também senti saudade.

— Desculpa — murmurou ela, se afastando — Eu só... precisei ficar longe um tempo.

Por qual motivo ela estava se desculpando? Perséfone, apesar de ser alguns anos mais nova e estar no primeiro ano, era sua melhor amiga e a mais querida. Foi a única a não olhá-lo diferente.

Elias não era o jovem mais bonito da escola. Haviam marcas em seu rosto deixadas pelo fogo que consumiu sua casa quando ainda era só uma criança, marcas que existiam só no exterior, pois sempre fora amável e alegre com todos, mesmo com os que o rejeitavam. Não à toa seu apelido era 'bobo da corte'. 


Elias segurou o rosto da jovem de cabelos negros e cruzou seu olhar ao dela, mantendo um sorriso amigável: — Vou estar sempre aqui, tá bem?

A vendo assentir, o jovem rapaz aproximou brevemente seus rostos, deixando um clima tenso no ar.

Perséfone adoraria beijá-lo, mas não conseguia; não por sua feiura, suas marcas ou nada envolvendo sua aparência, porém depois do que acontecera não conseguia simplesmente beijar alguém, por isso afastou seu rosto e tirou as mãos dele de si: — Não consigo fazer isso, Elias. Me desculpa...

A jovem não teve outra escolha senão se afastar, sair dali e correr para o mais longe que conseguia e esse longe foi o banheiro femino. Ao menos ali estaria livre de dar explicações para seu melhor amigo.

Do lado de fora, o rapaz ainda confuso buscava pela garota a fim de se desculpar pela tentativa de beijá-la. Não era certo por vários motivos, porém ele teria muito mais com o que se preocupar já que Despina, irmã mais velha da garota havia visto parte do que aconteceu naquele canto afastado do pátio e não gostou nada.

A de cabelos platinados fez questão de trombar com o garoto de propósito, apenas para derrubá-lo e chamar sua atenção: — Ah, deixa que eu te ajudo — disse, já o levantando e o guiando para o mesmo canto afastado em que estava com sua irmã caçula.

— Escuta aqui, seu esquisito, eu quero que deixe minha irmã em paz, falou?!

Ele apenas riu em deboche.

— Foi ela quem te pediu pra vir dar o recado? Só quero falar com ela, nada além.

Elias deu dois passos na tentativa de sair daquela emboscada, mas ela foi maia rápida e o empurrou contra a parede: — Eu não tô de brincadeira, garoto. Fica longe dela. Se eu ver você tentando beijar ela de novo, não vai ser só um aviso que eu vou te dar.

Ele poderia simplesmente ter concordado e ficado em paz, mas não conseguia se conter e ficar sem provocar os que eram mais fortes que ele: — Ah, claro, você é a cadelinha de recados da sua irmã, né!? Avisa, então, que eu não vou descansar até falar diretamente com ela. Se ela me quer longe, que tenha culhões e venha me dizer isso cara a cara.

Despina não era alguém com muita paciência, nem com muito discernimento. Enfurecida sua única ação foi assoviar, alertando alguns outros garotos mais velhos que estavam por perto: — Vamos ver se ainda vai ter essa marra toda depois que estiver sem seus dentes.

Com apenas um movimento os demais caras ali foram pra cima de Elias; socando, chutando, batendo... Fizeram isso por um minuto apenas, mas foi o suficiente para quase apagá-lo. Estava com sangue em todo o uniforme e ainda mais irreconhecível.

— Levem ele pra casa e sejam discretos. Espero que aprenda que não se mexe com nenhuma Romano.

Perséfone achou estranho a falta de Elias na escola nos dias que se seguiram. O buscou por todos os cantos, até em sua casa, mas a encontrou vazia e sem ninguém. A preocupação tomou conta de seu peito, imaginando que ele a tivesse deixado pelas razões erradas. Queria explicar o motivo de ter saído correndo, o que havia acontecido nos dias em que simplesmente sumiu sem avisar, mas jamais o viu. Disseram que havia se mudado, ou até mesmo que estava morto, mas a verdade apenas uma pessoa sabia e estava bem próxima. 

RomanoOnde histórias criam vida. Descubra agora