uma dança

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Pov. Regina Mills

"Querendo controlar a própria loucura, descretamente infeliz" - Morangos mofados - Caio Fernando de abreu.

Se alguém me perguntasse se é um dia a mais ou um dia a menos, com certeza não iria obter respostas. Os passos seguem rumos opostos, entre a prisão e a libertação. A minha alma tem passeado por diversos mundos, chegando às mais diversas conclusões. É como se eu já conhecesse isso tudo e mesmo assim me importasse. Consciência, aceitação, superação. Somos antigos, mesmo na flor da juventude. Somos a saudade do que foi evitado. Somos as marcas da ancestralidade. Somos restos mortais de um espírito acostumado com as despedidas. Pensar desta maneira me ajuda a se colocar em ordem. Tudo é passageiro. Temos a obrigação de reagir. De que me adiantaria sentar e apreciar o meu corpo se afogando na destreza? Beber da solidão não traz ninguém de volta e também não seria assim que Ruby iria gostar de me encontrar. A dor é inevitável, não se levantar é uma opção. 

Entre lágrimas, encontros e desencontros, questiono-me sobre os meus gostos, sobre quem sou, sobre o que me restou. A minha vida era monótona, automática, sem grandes feitos e só fazia sentido devido as pessoas que estavam ao meu lado. Se alguém me perguntar sobre os meus gostos receberá o silêncio vindo de mim. Sonhos? Aparentemente nenhum. Eu apenas deixei os percursos me levarem. Não sei distinguir o que me faz bem e o que é por ser. É como se eu só entendesse sobre como é amar e perder o seu amor. Que porcaria, não? E o resto? Como faço para encontrar a plenitude? Eu era dependente sem perceber. Eu me deixei ser da Soraia e acabei sendo fodida, depois, encontrei na minha amiga o melhor de mim... E cá estou, fodida novamente. Se serve de conselho, não ame, os finais felizes só existem nos livros. 

Eu fiquei algumas horas na varanda olhando para o céu, admirando a estrela mais brilhante, pensando e pensando, até compreender o quão belo seria ter a capacidade de retratá-lo com todos os detalhes vistos a olho nu, vistos por uma alma despida. Creio que os amantes são os melhores para transcrever os fragmentos que fazem valer a pena. Eu acho que gosto disso, de tentar me entregar a uma ilusão perfeita. De querer tornar real aquilo que não sei bem o que é. É confuso, estranho, mas é preciso, pois, não saiu da minha cabeça aquela fala de que o primeiro passo para a cura é se perder em meus gostos. Não ria, mas a tendência seria eu adoecer ainda mais, pois não me conheço o suficiente. Não sei o que fazer, nem como, só sei que vou fazer. 

Um fundo de piano era ouvido, me atiçando para descer até a sala, para sair daqui, para respirar um ar mais leve. Por mais que o meu gosto musical possa ter lhe parecido estranho no começo, entenda que tudo me fascina, não sou uma versão, sou tudo e mais um pouco, mesmo não sendo nada. Eu gosto das sensações que cada nota me causa, principalmente quando estou sob uma noite estrelada, sentindo os olhos a ponto de lacrimejar. Quando estiver entregue ao pesar, converse com as estrelas, é reconfortante, abra o seu coração... Ou melhor, jogue os cacos pela janela e aproveite a brisa. Se eu pudesse gritar um segredo aos quatro ventos seria sobre o meu desejo por também não estar mais aqui, porém, não posso e não devo me aprofundar a este fato.

Vencida pelas notas, eu sorri, e resolvi me vestir adequadamente para ouví-la tocar. Zelena ficaria chateada se eu descesse só de camiseta, eu sei que a intenção dela é me trazer de volta. Então, a escolha foi um vestido azul, longo, e um salto. Talvez Ruby iria gostar de me ver assim. Parece tolice, sim, parece, mas vamos fingir que estou em um conserto. Por falar nisso, eu nunca fui em um, talvez eu goste, quem sabe no futuro não dê para tentar. Os clássicos são bonitos e teríamos uma nova perspectiva. Eu não tenho conflitos a ponto de me negar ao novo, eu tenho conflitos por não saber negar o velho.

As luzes estavam apagadas. A minha irmã gosta de ser iluminada por uma simples vela posta em um candelabro. Ela se desprende do agora com tamanha intensidade, que me faz esquecer de tantas coisas com a mesma facilidade. Vê-la entregue me fez entrar na mesma vibe. Eu desci as escadas sem pressa, até chegar no último degrau. Eu respirei fundo ao perceber que Zelena não estava só. Eu não fiquei surpresa, afinal, a loira já disse que não irá sumir antes de me ver bem. Agir como hoje pode antecipar a partida de Emma. Eu que nunca gostei de abandono, o anseio por este. Não posso me apegar a companhia da senhoria Swan sabendo que depois vou assistir a vida roubá-la de mim.

Zelena foi finalizando a música. Eu me sentei em um banquinho, ao lado de Emma, até que a minha irmã me notou e sorriu. Quer dizer, parece que nos notou. 

- O que foi que eu perdi? Em que momento vocês chegaram? - perguntou. 

- Eu acabei de chegar. A senhora que trabalha para vocês atendeu a porta, disse para eu ficar a vontade. Como tive receio de subir para falar com Regina sem a permissão de ninguém, resolvi esperar você acabar. - Emma disse um pouco sem jeito. - Fiz mal? Eu deveria ter te interrompido?

- Não, que isso. Eu só não estou acostumada com plateia. - Zelena disse. Um pouco confusa, buscou o meu olhar. 

- Ah, você sabe como sou fascinada por ouví-la. E a roupa foi só para me sentir diferente. - Eu disse. 

- Você está linda, bebê. - Emma comentou em um fio de voz, olhando-me com ternura. Nesses milésimos de segundos, pude encontrar em seu olhar o brilho que tanto me fascina. Pude me perder na sua elegância. O vestido que ela usa na cor preta, justo mas curto, lhe serve perfeitamente bem. - E você é muito boa nisso, Zelena. - Desviou o foco. 

- Obrigada. Hm, devo continuar? - a minha irmã perguntou. 

- Sem sombra de dúvidas. - Respondemos. 

- Está tudo bem para você, maninha? Digo, essa situação... 

- Sim. Nada atrapalha o prazer que sinto por vê-la tocando piano. - Eu disse. 

A minha irmã fechou os olhos e começou a tocar novamente. A música escolhida foi a thousand years, Christina Perri. É inacreditável como uma melodia nos causa mil e uma sensações, nos traz mil e uma lembranças. Sinto o meu coração um tanto acelerado. Recordo-me da última vez que dancei com Ruby - não havia música, mas havia duas pessoas com medo de se apaixonar e com toda coragem para amar. Recordo-me também de quando me sentia despida por inteira pelas mãos de Emma, nenhuma de nós tinha medo da paixão, tão pouco coragem para o amor. É estranho a maneira como isso me confunde. 

- Eu amo essa música. - Emma comentou ao se levantar e me estender a sua destra. - Me concede a honra?

Eu pensei em negar. Isso é tão errado... Mas tão certo. Aceitar é se contradizer. Recusar é fugir dos desafios. Eu preciso fazer algo que eu gosto nessa semana e dançar me traz paz. Talvez possa ser uma boa experiência a ser relatada. Mas isso não significa perdoar, não culpar... Não haverá promessas sendo feitas. Haverá apenas uma dança com um alguém qualquer. Depois de breves segundos que ela estava com a mão suspensa, eu aceitei a solicitação. Emma é um pouco mais alta, ainda mais que ela também está de salto. 

Bom, eu não sou boa em conduzir, só me deixo levar, de olhos fechados, seguindo o ritmo da música, estando perto do seu corpo, sentindo o seu perfume, o seu tremor, a sua incerteza. Pelo menos, para mim, não há dúvidas, nada significa... Eu acho. Deitei-me com a cabeça em seu ombro, tentei não me emocionar, não me entregar por completo a nada além do piano. Creio que não é assim em um conserto. Não foi esse o planejado quando decidi sair do quarto. Mas fazer o que? A vida é o vento do improviso. E dançar não arranca pedaços... Quer dizer, isso quando eu não piso em seu pé, sem querer. Enfim, a senhorita Swan é delicada nos movimentos e também canta bem. Sim, ela acabou se empolgando e eu sorrindo. Foi fofo. 

O tempo passou que eu nem percebi. Não foi ruim ter cedido, só não teve nada demais. Eu demorei para voltar a realidade, só o fiz quando Zelena parou de tocar, quando a música chegou ao fim, quando Emma me apertou contra si em um abraço cheio de confissões as quais eu não queria ouvir. Automaticamente, eu me afastei. 

- Sabe de uma coisa, eu estou com fome e vou pedir pizza para a gente! - Zelena disse ao perceber o clima estranho. Ela se levantou, acendeu as luzes e pegou o telefone para ligar. - Qual a sua preferência, Emma? 

- Ah... Hm... eu já estou de saída. - Ela disse um tanto confusa. - Ah, Zelena eu tinha vindo também trazer os documentos assinados. Está ali na mesinha. - Apontou para o local propriamente dito. - E... Regina, obrigada por ter aceitado...

- Não foi nada demais, senhorita Swan. Você não é a companhia que eu queria, então, tanto faz.

A bela mulher pensou em falar algo mas desistiu, como já estava se tornando de costume. Não me pergunte a razão pela grosseria, eu não vou conseguir te explicar, meu caro... Da mesma maneira que não vou conseguir explicar o que eu senti ao vê-la se afastar e bater a porta por trás de si. 

"Escuta, não fecha a janela, está tudo definido aqui dentro, e só uma coisa, espera um pouco mais, depois você arruma as malas..." - Morangos mofados - Caio Fernando de Abreu.

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