Capítulo 2

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Os pobres não têm vez. Foi a última frase que conseguiu ler daquele livro, as suas mãos continuavam doendo do tanto que havia arrumado de caixas. Antony estava jogado no chão da sala vazia, era nítido a sua exaustão, havia carregado tantas caixas com pesos variados que não sabia identificar se ainda possuía coluna vertebral.

Dos móveis que faltavam, a serem colocados naquele caminhão de mudança, havia somente o fogão e a pequena geladeira. Ambos resolveram  chamar os vizinhos, mas eles avisaram que só poderiam depois do almoço. Assim, enquanto Antony gritava implorando para morrer de vez, em tom desesperador para que tudo aquilo acabasse, Júlia pensava quantos dias de faxina custariam aquela mudança. O cálculo lhe deu dor de cabeça.

Certamente conseguiria colocar todas as tralhas dentro da nova residência, contudo, já seria de noite e ela estaria com o dobro da fome que sentia. E só não sentia mais porque o cansaço havia escondido.

Ao final da tarde, todos os móveis, caixas e roupas estavam dentro da nova casa. Tudo estava desorganizado. Pareceria mais o lixão da mãe Lucinda (referência a novela Avenida Brasil).

O amigo a abraçou, lhe deu um beijo na testa e se despediu. Havia outros assuntos que teria que fazer. Antes de sair, Antony deixou as chaves da nova residência em cima do balcão de mármore.

_Finalmente só – suspirou.

De repente só, de repente a solidão lhe fazia companhia, de repente sentia medo, de repente "o que iria acontecer?". Júlia pegou as chaves e fechou tudo. Precisava se sentir segura e trancar as fechaduras principais da nova residência era a solução.

Sentindo que o cansaço iria vencer, ligou o rádio e sentou no colchão que estava no chão. Resolveu que irá arrumar tudo no dia seguinte. Lentamente o sono foi a vencendo e a sua mente começou a lhe trair. 

                                •••

Fevereiro de 2015, São Paulo.

_Cento e cinquenta reais? – o homem a sua frente lhe sugeria esse valor.
_Pelo o quê? – Júlia engoliu a cego.
Mal tinha completado seus vinte anos, seu cabelo ainda era virgem de química, o olhar ainda era inocente. Por causa do último trabalho, ela juntou suas economias para pagar a terapia. Estava muito mal, porém ela não tinha dinheiro suficiente para pagar todo o tratamento – e segundo o psicólogo talvez ela teria que passar por um psiquiatra.

_Vai ser rápido – sugeriu novamente.
_Eu não sei bem.
_Não disse que precisava de dinheiro?

Ela sentiu o gosto amargo de ter confessado que havia sido expulsa de casa e precisava de dinheiro. O terapeuta, que ela muitas vezes desconfiou que ele havia se formado mesmo, estava propondo que Júlia fizesse sexo oral nele. E antes que pensasse, o tal homem abaixou as calças e exibiu o órgão.
_Pode chupar  – ele deu uma risada.

Com nojo, ela colocou o pau na boca. Já o suposto terapeuta suspirava de felicidade. A humilhação era demais, e perto de tudo acabar, ele pressionou a cabeça dela sob o seu pênis forçando ela a engolir todo o sêmen.

                                    •••

O barulho do cortador de grama interrompeu a continuação da lembrança. Lentamente abriu os olhos, percebeu que o cômodo estava claro: havia dormido na sala. Pensava que tinha colocado no colchão para o quarto, e nem isso havia feito. Ao fundo, seus ouvidos reclamavam do barulho.

_Que merda é essa? – prendeu o cabelo o cabelo cacheado no topo da cabeça.

Foi até o espelho grande que estava na cozinha, percebeu que a pele do rosto estava ressecada. Alguns diriam que ela seria branca, mas Júlia se considerava parda. O cabelo preto com as pontas laranjas demostravam que não era só a pele que precisava de um processo de hidratação.

Usando de suas últimas forças, se arrastou até a porta da cozinha e abriu a porta. No seu quintal havia um homem  possuindo centenas de quilos de músculos, a camisa regata mostrava que o tamanho dos seus braços era maior que a cabeça da Júlia. A mesma tremeu. Achou que fosse um bandido e pensou rápido: pegou a vassoura que estava detrás da porta, deu passos rápidos.

O tal homem misterioso desligou o cortador de grama, tirou os fones protetores de ouvido e virou para direção da casa da nova vizinha.

_O que é isso? – ele ficou surpreso ao ver a mulher com roupas sujas e uma vassoura vindo em sua direção.

Júlia parou. Ficou envergonhada, e nem saberia como explicar toda a situação. Na verdade, se tinha um estranho no seu quintal deveria ter chamado a polícia e não o enfrentado.

_Eu que pergunto: quem é você e o que faz aqui? – colocou as mãos na cintura.
_Sou Willian – segurou o riso ao deparar com aquela primeira impressão – sou o  vizinho e o Antony pediu que eu limpasse o gramado da casa dele.
_Ok – a vergonha havia lhe consumido. Não sabia por onde correr.

Ela olhou para a vassoura, ele olhou para ela e a vergonha consumiu tudo. William riu alto, abandonou o cortador e foi até a cerca da sua residência. Gritou:

_Mateus venha aqui! – chamou.

Um homem alto, boa forma – em comparação com William era menos musculoso – estava sem camisa.

_O QUE FOI AMOR? – gritou enquanto arrumava o cabelo longo e ruivo.
Mateus foi até a cerca baixa, sorriu para William e viu a mulher com a roupa suja e segurando uma vassoura.

_Você deve ser a Júlia, né? – disse simpático.
William já estava vermelho de segurar a risada. Ambos trocaram olhares, sem saber o que fazer, ela soltou a vassoura no chão, deu dois passos para trás, correu e entrou na casa. Mateus e William gargalhavam diante daquela situação cômica.

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