Capítulo 20 - Pode ser que demore

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Simone

O gosto do cigarro mentolado está impregnado em cada pequeno canto da minha boca e persiste mesmo após o copo de café que me forcei a beber na intenção de amenizar o terrível sabor. Esse era um dos motivos que eu havia parado de fumar anos atrás, antes mesmo de agarrar minha licença da OAB. Apesar de ter recaído poucas vezes durante o passar do tempo, nunca consegui me desvencilhar da minha atração instantânea causada pela sensualidade de mulheres e seus cigarros. O gosto acabava presente em minha língua mais vezes do que eu sacava um maço.

Do lado de fora, as primeiras gotas de chuva despencam com agressividade do céu que agora está tomado por nuvens escuras, ocasionalmente elas se iluminam junto ao ressoar dos trovões. A água bate com força contra o vidro das janelas e os poucos alunos espalhados pela sala parecem estar mais concentrados nos barulhos causados pelo clima do que por qualquer uma das palavras que saem da minha boca em uma cadência que só um discurso proferido diversas vezes consegue atingir.

O descaso poderia ter me irritado em qualquer outro dia, mas não é como se hoje eu estivesse em situação muito diferente da deles. Leciono em modo automático enquanto me perco no poço escuro e sem fundo que são meus pensamentos sobre uma certa aluna. Ou talvez a melhor analogia para minha mente conturbada seja uma piscina, onde Soraya corta a superfície da água com seu corpo. Sem nenhuma peça de roupa à vista.

A combinação de mulheres e cigarros sempre havia sido minha fraqueza, e as primeiras horas do dia só revelaram que esse não foi um dos traços de personalidade que perdi com um tempo. Ver a loira baixinha fumando foi o suficiente para bagunçar minha cabeça e me fazer perder o roteiro que eu programei para nosso reencontro. Quando se tratava de Soraya tudo parecia mais intenso e se essa já era minha fraqueza, vê-la daquele modo foi minha ruína.

As suas mãos delicadas segurando o cigarro branco entre os dedos, os lábios avermelhados com a cor de cerejas maduras se fechando em um leve biquinho para expelir a fumaça. Tudo nela era hipnotizante. A imagem mental ao mesmo tempo que me excita e entra no meu hall de fantasias, também tem o poder de me sobrecarregar com ansiedade, a ponto que parece que o sentimento toma o lugar do sangue em minhas veias.

Apesar de saber que a insegurança dela em relação a nós duas era culpa minha, exclusivamente minha, ainda sinto a dor que parece um peso sobre meu peito sempre que seu rosto tomado pela fúria, que mal mascarava seu sofrimento, me toma de assalto. Não era minha intenção que a primeira vez que eu confessasse meus sentimentos fosse escondida atrás de um carro, no estacionamento da faculdade, mas desde que finalmente admiti para mim mesma que estava apaixonada por ela isso se tornou um fato tão claro quanto minha necessidade de respirar. Parece quase impossível que ela não tenha percebido o quanto meu coração bate por ela. O quanto o meu corpo implora pelo seu.

E então temos aquele garoto. O aspirante a advogado em trajes de surfista maconheiro que a tocou como se tivessem intimidade, sem nenhum flash de receio de ser rejeitado. O homem que havia passado a noite em sua casa e despejou o fato como uma causalidade que fez meu sangue rugir nos meus ouvidos. O pincel que uso para marcar o quadro chia estridente quando marco uma parte importante do slide com mais força que o necessário, alguns alunos se encolhem em agonia mas ainda assim é difícil controlar a pressão que faço com o objeto.

A gargalhada dela em conjunto com a dele vindas do corredor rompem a solidão da minha própria voz no ambiente. A risada de Soraya soa verdadeira e alegre, do exato jeito que ela ria quando eu dizia alguma bobeira só para ver o seu sorriso. O som dessa vez me corta como navalhas afiadas e me faz perder a linha de raciocínio, pausando minha explicação. Ele abre a porta com força, fazendo com que ela bata na parede e Soraya é a primeira a entrar. Seu cabelo está molhado pela chuva e sua calça de cetim preto úmida cola em seu corpo, marcando todas suas curvas. Os dois mantêm sorrisos enormes no rosto tal como duas crianças que não foram pegas depois de aprontar.

Requisitos para um diploma - SimorayaOnde histórias criam vida. Descubra agora