Naquela mesma noite descobri que, apesar de ficarem juntos nas duas casas pela maior parte do tempo (havia camas para todos, além de fazerem lá as refeições e atendimento aos feridos), era de conhecimento geral que as outras residências daquele bairro também estavam seguras. Então, após uma janta escassa de feijão, arroz, e uma unidade de tomate cereja para cada, eu e Leonardo pudemos ter um pouco de privacidade depois de nos esgueiramos para uma casa vizinha.
Nunca deixava de ser estranho sentir algo além de medo ou infelicidade no apocalipse, mas nem por isso as coisas boas que incendiavam nosso sangue de tempos em tempos paravam de existir. Nesses momentos, tentávamos aproveitar cada gota de vida que aplacava uma sede eterna por qualquer resquício de alegria.
Apesar de ter diversas perguntas na ponta da língua, de sentir o coração apertado por tanto medo e receio, aproveitei meu reencontro com Leonardo. Nos beijamos assim que nos vimos sozinhos e não paramos até que nossas roupas estivessem no chão e nossos corpos cobertos de suor sobre a cama. Falamos sobre o quanto nos amávamos mais vezes do que eu podia contar, como se aquilo pudesse compensar todo o tempo em que esteve na ponta de nossas línguas e escolhemos guardar. Como muitas vezes naquela vida pós-apocalíptica, meus sentimentos eram uma mistura estranha de receio, alívio, esperança, e medo de perder tudo novamente.
Mesmo depois que acabamos, permanecemos em silêncio por vários minutos, abraçados como se cada centímetro entre nós pudesse se transformar em quilômetros a qualquer momento. A noite era sem estrelas e não havia energia elétrica na casa (mas, nas residências que eles chamavam de "Base", usavam geradores portáteis), por isso a nossa única companhia era uma escuridão tão densa que sufocava. Tanto quanto o medo do inevitável momento em que o conforto daquele reencontro seria rompido por informações que eu nem sabia se estava pronta para ouvir.
Mas também não tinha escolha.
— Leo, eu-
— Rebeca — Ele me interrompeu e virou o rosto na minha direção. — Me desculpa pela Mei. De verdade, eu nem sei como me justificar... Depois que Guilherme, Victória e Melissa foram embora, ela parou de comer, beber água, não queria nem levantar. Eu não sabia o que fazer, fiquei com medo que ela morresse de desidratação! Então tentei procurar por você outra vez e a trouxe junto. Sei que ela não é minha amiga como era do Gui, mas sempre me obedeceu até então.
Leonardo era apenas uma sombra que minha visão lutava para distinguir no quarto escuro, mas vi o contorno do seu peito subir e descer numa inspiração profunda. No canto do quarto, outra sombra (esta peluda) respirava calmamente.
— Estávamos entre o caminho de Blumenau e o condomínio e... não sei direito o que aconteceu. Acho que ela sentiu um cheiro, ou se assustou. Só sei que começou a correr e não atendeu a nenhum chamado. Eu e a Paulina voltamos para o carro e tentamos ir atrás dela, mas era impossível acompanhá-la por entre as ruas, com os acidentes na estrada... Rebeca, eu procurei ela por dias, mas nunca achei que ela caminharia quilômetros até o condomínio!
Leonardo fez meu coração disparar quando me puxou mais para perto, como se eu pudesse ir embora a qualquer instante.
— Eu sei o quanto ela é importante pra você... Eu te amo tanto, eu também amo a Mei, não queria que nada acontecesse com ela. Durante todos esses dias, fiquei com medo de te reencontrar e... Eu não saberia o que dizer. Eu tinha medo que você não estivesse morta, mas também fosse embora.
Virei para ele e envolvi seus ombros trêmulos com os braços, absorvendo as palavras. Ardia minha alma saber que Mei fugiu, pensar na dor e no medo que ela sentiu sozinha, mas qualquer raiva se desfazia (ou apenas amenizada) ouvindo o pânico na voz de Leonardo.
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Em Fúria
HorrorLIVRO 3. Mais uma vez o mundo desmorona diante de seus olhos, mas agora Rebeca é uma pessoa diferente. Com um ataque inesperado, um único inimigo é capaz de trazer fim à paz que construiu atrás dos muros do condomínio e separá-la do seu grupo. Dess...