Um arrepio atravessou meu corpo quando o ronco do motor rasgou o ambiente e senti o coração acelerar, mesmo já esperando por ele.
Sobressaltei-me sentindo uma pressão no ombro, mas olhei para trás apenas para encontrar Leonardo perto de mim. Estávamos só os dois naquela ruela de Blumenau, durante a tarde ensolarada, completamente vestidos com o uniforme da tropa de choque e bem armados.
— Eu tô aqui — garantiu-me. — Temos caminho livre para fugir, se tudo der errado. — Não respondi, mas foi como se ele conseguisse ler meus pensamentos: — Paulina e Samuel estão juntos, Maitê está segura no apartamento... Estamos todos em contato. Vai dar tudo certo.
Sua mão deslizou pelo meu ombro, descendo até a minha e apreciei o aperto reconfortante. Assenti para ele, tentando normalizar a respiração enquanto pensava em suas palavras.
Depois de mais de uma semana focados nos preparativos, naquela tarde, finalmente colocávamos o plano de retomada ao hospital em prática.
No dia seguinte ao que buscamos abrigo naquele prédio (alguns chamaram de "ficamos presos", mas eu discordava da nomenclatura), sob a luz do dia, contamos com uma vista privilegiada de todo aquele lado da cidade.
Numa mistura bela e desesperadora, a calamidade se unia à paisagem até que fossem indistinguíveis uma da outra. As estruturas perduravam após o fim do mundo, mas máculas eram visíveis das janelas quebradas dos prédios até os muros e árvores completamente destruídos em acidentes, onde carcaças de veículos ficaram largadas para se deteriorar pela eternidade. Mesmo as tempestades não conseguiam limpar completamente os rastros de sangue seco que se tornaram parte daquela pintura. Quase como querendo se opor à tanta destruição, pedaços de uma natureza que nunca desistiria de tentar retomar aquele mundo lutavam pelo seu lugar; as vegetações das casas alcançavam as calçadas através das grades dos portões ou atravessavam os muros para se enroscar em postes, mato crescia contra todas as expectativas por entre pedaços desgastados de asfalto e um tapete de musgo que impunha seu verde até onde os olhos podiam alcançar.
Perpétuas na paisagem, as aberrações reanimadas povoavam as ruas em seu eterno vagar faminto. A vista quase poderia ser bonita, não fossem elas.
Só quando me dei conta do silêncio que se estendeu, percebi que era a primeira vez que as pessoas que estavam comigo viam o apocalipse daquela maneira. Eu já tinha tido aquela oportunidade quando estive no terraço do meu antigo colégio, depois no prédio da Melissa, e reconhecia como podia ser opressor.
— Sabe, apesar de ser um pouco apavorante, ver o sol nascente iluminar esse mundo me dá um pouco de esperança. — Quebrei o silêncio, sem saber se era o melhor a se falar, mas preferindo aquilo a deixá-los com os próprios pensamentos. Às vezes, mostrar tranquilidade era tudo o que você precisava para manter uma situação sob controle.
Leonardo entendeu o que eu estava fazendo e, seguindo a deixa, fez uma piada para descontrair. Apesar de só ter conseguido arrancar risinhos nervosos, aos poucos nos acostumamos com a visão e conseguimos focar nas informações que buscávamos.
As ruas próximas do hospital estavam infestadas de zumbis, mas apesar de alguns grupos errantes, os caminhos por onde pretendíamos levá-los até as trincheiras pareciam adequados para nos locomovermos, assim como outras ruas paralelas. Multidões de zumbis podiam ser assustadoras, mas também costumavam mantê-los concentrados em uma área menor, graças aos próprios sons e grunhidos que os mantinham constantemente distraídos.
Com a visão aérea, Samuel estimou que se tratava de uma horda de três a quatro mil zumbis e Leonardo concordou. Usamos o mapa que Jin nos deu para demarcar as ruas mais movimentadas e as mais seguras e, perto da metade da manhã, conseguimos fugir do prédio pulando o muro da parte traseira para o condomínio vizinho. Precisamos matar algumas criaturas que encontramos lá dentro e pudemos nos certificar ainda mais da segurança que os uniformes da tropa de choque ofereciam, assim como Maitê teve oportunidade para treinar em um ambiente relativamente controlado. No fim, pedimos ajuda para o grupo de Jin, que nos resgataram de carro, menos de uma hora depois.
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Em Fúria
HorrorLIVRO 3. Mais uma vez o mundo desmorona diante de seus olhos, mas agora Rebeca é uma pessoa diferente. Com um ataque inesperado, um único inimigo é capaz de trazer fim à paz que construiu atrás dos muros do condomínio e separá-la do seu grupo. Dess...