Logo descobri que os dias na cidade eram bem tediosos.
Quis voltar logo para o condomínio e tomar uma xícara de café quente, mas olhei para o relógio de pulso e vi que ainda faltavam quarenta minutos para o fim do meu turno. Suspirei, tomei um gole do cantil de água e espiei pela ampla janela da torre de vigia, quase ansiando por um zumbi, um problema, ou qualquer coisa que me servisse de motivo para descer.
Ao invés disso, vi apenas as ruas que se estendiam até o horizonte vazias, até que as casas lentamente começavam a ser substituídas pela vegetação. Se eu olhasse para o outro lado, em direção ao centro da cidade — não da cidade de Chapecó de antes, mas da de agora —, pelo menos veria pessoas caminhando, com sorte até crianças correndo pela rua, mas o meu trabalho não era vigiar aquele lado. Isso me foi deixado bem claro.
Naquela semana, o grupo de Ana, ao qual eu havia sido designada, estava encarregado da segurança da cidade. Era a espécie de revezamento que havia por lá: haviam dois grupos de soldados principais, que alternavam entre se expor fora da cidade em buscas por mantimentos e proteger as ruas e a população. Na semana passada nós fizemos duas viagens, primeiro limpando caminho até os locais de interesse e depois dando cobertura enquanto carregavam os carros e carretas com mantimentos; naquela, fomos separados entre pessoas que protegiam os limites da cidade de possíveis zumbis que se aproximassem, e os encarregados de vagar pelas ruas fazendo vistorias.
Não demorei a perceber que também havia muita encenação envolvida.
Todas as casas daquela cidade (e ressalto novamente que me refiro somente ao que Chapecó se tornou, ou seja, não mais do que alguns bairros habitados) haviam sido exaustivamente revistadas. Não haviam muros, exceto uma pequena extensão que não chegava nem a um quadrante do território total, que começou a ser construída, mas nunca foi finalizada. Ou seja, o verdadeiro risco era que zumbis viessem de fora. Os soldados que, como eu, foram designados para proteger as fronteiras da cidade e limpar possíveis grupos de zumbis que se aproximassem realmente tinham trabalho, mas aqueles poucos que vistoriavam as ruas, tecnicamente não.
Ou seja, provavelmente estavam lá porque isso passava segurança aos moradores. Pelas poucas conversas que tive, descobri que alguns realmente foram soldados de verdade ou agentes da lei, mas a grande maioria ainda eram jovens que nem eu: designados para esse trabalho apenas porque tinham a coragem suficiente de pegar em armas e acertar a cabeça de zumbis. Quase ninguém era realmente treinado para resolver conflitos civis, atender suas necessidades ou manter a ordem num geral, e ainda assim acabam assumindo aquele posto. Talvez as pessoas que queriam tentar voltar a viver uma vida normal sentiam a necessidade de ver figuras de autoridade ao seu redor.
Parando para pensar, era um pouco surpreendente até para mim a facilidade com a qual eu entrei naquela rotina, como se a minha vida inteira tivesse sido participando daquele grupo. A primeira semana havia sido difícil, com os olhares de julgamentos e a pouca simpatia, além do rancor pela questão de Mei ainda bem presente em meu coração... mas aos poucos, eu começava a me sentir parte de tudo aquilo. Gorete, a mulher responsável pela organização dos soldados, até começou a me dar bom dia, como fazia com todos; Ana parou com as ordens gratuitas de me deixar sem jantar; e as conversas com Toni, o garoto que se aproximou de mim no domingo, me faziam sentir menos solitária.
Ter um trabalho para desempenhar, mesmo excessivamente exaustivo (no caso das buscas) ou absurdamente tedioso (como a vigia) fazia os dias passarem tão rápido que eu rapidamente perdi a conta deles novamente. Não era exatamente ruim, porque pelo menos sufocava aquele estado de medo que eu estive desde o ataque ao antigo condomínio, mas eu me sentia quase dissociada enquanto estava naquela cidade. A impotência de não conseguir sair daquela situação me incomodava, mas ainda era um pouco melhor do que o constante risco de ser morta ou torturada, então eu tentava suportá-la como possível.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Em Fúria
TerrorLIVRO 3. Mais uma vez o mundo desmorona diante de seus olhos, mas agora Rebeca é uma pessoa diferente. Com um ataque inesperado, um único inimigo é capaz de trazer fim à paz que construiu atrás dos muros do condomínio e separá-la do seu grupo. Dess...