Capítulo 60.

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A verdade é que tinha sido quase entediante.

Quer dizer, claro que tédio foi a última coisa que senti quando tive um vislumbre de literalmente milhares de zumbis espalhados em volta do perímetro do shopping center. Eu era péssima em estimar quantidades, mas Samuel, com a expressão difícil de ler, presumiu que houvessem de cinco a seis mil deles.

É claro que o medo congelou meus ossos e até me fez hesitar por alguns minutos, mas já havíamos ido longe demais para desistir. Além disso, não era como se eu tivesse escolha se quisesse me ver livre daquele "acordo" com Pantera. Então, tomando todo o cuidado necessário, eu e Samuel passamos os últimos dias preparando o plano. Com o alcance de quase 7km de distância, os drones seriam controlados por ele e Toni na cobertura de dois prédios escolhidos para que pudessem cobrir o máximo de espaço possível.

O toque final dessa parte do plano foram os dois celulares colados em cada um dos drones, com os gravadores emitindo em loop vozes humanas para garantir que os zumbis seriam atraídos por eles. Um ressoava o grito de Toni, que eu Samuel capturamos intencionalmente após assustá-lo; e, no outro, havia a minha voz, carregada de monotonia, porque Samuel me obrigou a ser gravada.

As ruas ao redor do shopping não estavam limpas, mas a aglomeração se concentrava próxima a ele. Aproveitando do alcance máximo dos drones, pretendíamos guiar as criaturas para locais menos movimentados, onde as demais equipes estariam preparadas para contê-las.

Nosso primeiro problema foi perceber que haviam mais zumbis do que estimamos inicialmente. Ana quem havia sugerido montar barricadas e enfrentá-los de frente conforme fossem separados e afunilados nas ruas mais estreitas, mas seria necessário que cada um dos quarenta e dois voluntários — inicialmente, ela e Igor haviam selecionado apenas vinte soldados, mas uma comoção de pessoas (incluindo civis) se dispôs a ajudar quando descobriu sobre o plano com a participação dos dois líderes — matasse mais de cem criaturas. Mesmo nos dias em que mais precisei matar zumbis para sobreviver (e isso incluía a retomada do hospital), nunca eu ou meus companheiros alcançamos aquele número.

Quando contamos sobre a maneira como lidamos com a horda de zumbis no hospital, usando trincheiras e fogo, conseguimos arrancar um suspiro de admiração dela (e de Igor). Era um trabalho que resultaria em uma semana ou até mais de atraso, mas foi Ana quem pensou em usar um córrego que havia a algumas ruas de distância do shopping.

Foi assim que nosso plano começou, sem expormos ninguém nas ruas enquanto todos estavam reunidos nas coberturas dos prédios (que eu e Samuel, sozinhos, limpamos de qualquer zumbi nos últimos dias — e meus braços doíam por causa disso), observando os garotos lidarem com os drones. Samuel me garantiu que era fácil e até me ofereceu para tentar, mas tive um flashback de todas as surras que recebia de Guilherme quando jogávamos qualquer videogame. Com medo que fosse parecido com aquilo, achei melhor nem tocar no controle para não estragar tudo.

Então eu e mais uma dúzia de pessoas, incluindo Ana, observamos quando os dois drones cruzaram o céu, em direção à massa de zumbis.

Oi, meu nome é Rebeca e eu mato zumbis. Pronto. Tá bom assim pra você?

Senti meu rosto ferver quando aquele gravador ridículo começou a repetir a minha mensagem, como se aquilo fosse um ataque pessoal e não algo que Samuel e eu gravamos de antemão. Fiquei com ainda mais raiva quando Ana deixou um riso anasalado escapar, mas logo a esqueci conforme a tensão de ver o plano finalmente sendo posto em prática dominou o meu corpo.

Se algo desse errado, Pantera não me daria outra chance.

Acompanhei, tão tensa quanto todos os outros, o drone planar sobre milhares de zumbis, esperando suas reações. Já havíamos visto diversas vezes como eles eram capazes de distinguir os sons que desconfiavam ser de presas dos que não os atraíam; como alarmes de carro, rosnados e grunhidos que eles próprios faziam, ou sons naturais como trovoadas e ventanias. A ideia de usar os gravadores de celular foi de Toni (também foi ele quem os arranjou — trocou por garrafas de bebida com outro morador), e bastou que um dos drones se aproximasse da horda para vermos que estava funcionando.

Em FúriaOnde histórias criam vida. Descubra agora