Capítulo 53.

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Meu coração estava em chamas quando precisei me obrigar a sair da sala de Pantera sem derrubar nenhuma lágrima.

Ela deixou que eu me despedisse da minha cachorra, o que fiz com um afago e juramentos de que logo a veria novamente, mas na verdade gostaria de me jogar em seu pescoço e implorar para a líder que me deixasse levá-la comigo. Eu já tinha estado sem Mei em outros momentos no apocalipse, mas ela sempre ficava com alguém de minha confiança e que a amava tanto quanto eu. Não com uma completa lunática.

Mas precisava admitir que meu medo não era que aquela mulher fizesse mal a ela. Independente de querer enfiar uma faca em seu pescoço por me obrigar a ficar longe de Mei, Pantera parecia realmente apegada ao seu Pastor e, pela forma como os olhos pequenos dele não se afastavam da dona, devia ser recíproco.

Ainda assim, desejei que Mei desse uma boa mordida nela.

A verdade é que eu não fazia ideia do que esperar daquela mulher (ainda que acreditasse em seu suposto amor por cães). Apesar de ter me colocado no meio de todo aquele teatro com o único objetivo de me torturar, a forma como falava não traduzia exatamente aquele suposto jeito maníaco. Ela soltava ameaças com um sorriso, mas era perfeitamente sã enquanto me explicava sobre a minha situação. E conversava tranquilamente com Carolina.

A presença de Carol ali era outra surpresa. Na verdade, toda a sua postura... estava mais fria, mais impositiva, completamente diferente da dona de casa que conheci no começo do apocalipse. Acima de tudo, era surpreendente como parecia próxima de Pantera.

— Você vai ficar aqui. — O homem encarregado de me acompanhar parou em frente ao portão gradeado de um condomínio de prédios simples. Era alto e meio desengonçado e eu só lembrava seu nome porque também se chamava Guilherme. Vestia roupas comuns, sem nenhum armamento à vista.

Era estranho andar pelas ruas daquela... cidade, por falta de um nome melhor. Quer dizer, era uma cidade. Havia sido antes do apocalipse e aos poucos começava a se parecer de novo com uma, e era justamente aquilo que a tornava tão estranha.

Chapecó havia sido a última cidade a cair para o apocalipse, mas eu começava a duvidar que havia sido ele o único responsável. O local que se reestruturava sob o domínio de Pantera tinha o tamanho de um bairro e, apesar de parecer funcional e seguro, com adultos e crianças andando pelas ruas, havia marcas de destruição para qualquer lado que eu olhasse: as paredes de concreto tinham buracos de bala, postes de luz ainda estavam derrubados e pilhas de escombros eram ocultadas por tapumes. Ao mesmo tempo que era o local que mais se assemelhava ao mundo normal em que eu já estive, mostrava que o novo "normal" era aquela realidade pós-apocalíptica.

O outro Guilherme havia me explicado que as ruas eram completamente seguras, assim como todas as casas daquela área, pois contavam com rondas frequentes e um revezamento de "soldados" que permitia guarda ininterrupta. Haviam começado o projeto para murar uma parte da cidade, mas ele teve de ser interrompido depois que um grupo considerável não retornou de uma busca por mantimentos. Depois de duas semanas, encontraram três pessoas do grupo inicial de dez, presos em um supermercado após um encontro inesperado com uma horda de zumbis.

Desde então, os dias não foram muito fáceis para os mais de duzentos membros daquele grupo, dentre eles mais de cinquenta feridos ou incapacitados de alguma maneira pelo apocalipse.

Observei o condomínio de paredes cinzentas e descascadas, com o pátio e as garagens transformados em depósitos de armamentos e demais suprimentos. "Soldados" eram como chamavam os encarregados de cuidar de zumbis, seja em rondas para interceptar possíveis intrusos ou em buscas por mantimentos, e todos eles ficavam concentrados naquele complexo de apartamentos. Que também seria minha casa nas próximas semanas.

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