Em Fúria

Capítulo 63.

Deixei um grunhido de frustração escapar quando percebi que aquela janela também estava trancada. Mei parou de rolar na grama para me observar, mas vendo que não se tratava de nada além do meu mau humor, voltou a farejar os enfeites de jardim.

— Claro, desculpe te incomodar com os meus problemas — reclamei com ela. — Certifique-se de que nenhum é um zumbi disfarçado!

Mei, claro, não entendeu nada do que eu falei e apenas respondeu abanando seu rabo. Finalmente consegui sorrir, apesar de estar faminta, exausta e com as mãos congelando.

Aquela era a sexta casa completamente trancada, da última porta à janela. Não era algo completamente raro, mas depois de uma tarde inteira caminhando sem parar para revistar os cinco quarteirões ao redor, em um frio de menos de dez graus, eu estava torcendo para ter um pouquinho de sorte.

O que, se eu fosse sincera, era óbvio que já tinha tido, porque não havia encontrado um único zumbi naquele bairro inteiro. Nenhum zumbi, nenhuma pessoa, nenhuma marca de arrombamento. Estava tudo na mais absoluta paz naquele dia de inverno particularmente frio.

Em contraste, a noite anterior não tinha sido das melhores. Como se eu tivesse ganhado na pior das loterias, a casa que escolhi para pernoitar tinha quatro zumbis. O crepúsculo chegou mais rápido do que eu esperava, por isso aquela casinha no meio do mato à beira da estrada teve de servir, e eu não tive escolha a não ser matar as criaturas. As primeiras estavam trancadas em um barraco de ferramentas e pareciam ser uma mãe e seu filho, já apodrecidos pelo tempo. Lidar com elas já havia sido desagradável o suficiente, mas bastou que eu entrasse na casa para uma segunda criança zumbi me atacar. Não vi que havia ainda mais um, caído no chão com uma perna quebrada, que agarrou minha calça e me derrubou. Bati a cabeça com tanta força na parede que os segundos atordoada quase me custaram uma mordida no rosto, enquanto Mei não parava de latir na tentativa de fazê-los sair de cima de mim.

Apesar de conseguir me recuperar e lidar com eles, todo aquele acontecimento me desencadeou uma crise de ansiedade. Não era como se eu não estivesse acostumada a lidar com zumbis, mas percebi que fazia algum tempo que eu não me via completamente sozinha. Os pensamentos intrusivos não tardaram a escalar para a certeza de que eu não conseguiria sobreviver por muito tempo, e uma noite de pesadelos e horas mal dormidas se seguiu.

Acordei antes mesmo do sol aparecer e segui viagem com Mei durante a alvorada fria. Talvez o motivo de toda aquela ansiedade também fosse o fato de eu estar a menos de 2 dias de viagem de São Miguel do Oeste ou, como a nova cidade se denominava, Esperança.

Todas as últimas semanas finalmente culminavam no meu objetivo, depois de me ver perdida com Samuel, reerguer-nos juntos, sobreviver a ataques, descobrir novos grupos... e tudo isso poderia ser para nada, se eu não encontrasse Guilherme, Melissa e Victória ali.

Eles poderiam estar mortos há meses.

Esforcei-me para afastar aqueles pensamentos enquanto tentava ver o interior da casa pelo vidro da janela, mas eles provavelmente não tardariam em voltar e me torturar durante a noite, assim como a possibilidade de encontrar naquela cidade habitantes tão perigosos quanto os próprios zumbis. Ainda assim, deixei para lidar com aqueles problemas no dia seguinte, quando eu finalmente chegasse lá. Por enquanto, queria apenas encontrar um lugar onde pudesse tomar um banho e ter uma refeição decente antes do anoitecer. Não ter zumbis era um bônus.

E, de fato, não tinham. Nem ali, nem nas ruas próximas que revistei — um pouco pela segurança, um pouco pela incredulidade de encontrar um lugar tão tranquilo. Segundo o mapa, eu estava em um município a menos de algumas horas do meu objetivo. Minha suposição era de que operações de resgate e limpeza daquela área já haviam sido organizadas.