Capítulo 25.

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Evitar pensar nas pessoas que amávamos tinha sido uma questão de sobrevivência até então.

Claro, por vezes eu e Samuel tocamos no assunto. Decidimos o rumo que tomaríamos para tentar encontrá-los, criamos suposições de como estariam antigos lugares familiares, murmuramos sobre a inquietação e a saudade durante madrugadas longas demais... mas não podia passar disso. Bastava lembrar das circunstâncias que nos separaram para que o medo voltasse com tudo. Um temor que nos assolava de tal maneira que tornava impossível ter esperança.

E precisávamos dessa esperança. Era o que nos permitiu continuar mesmo nas situações tão adversas em que nos encontramos ultimamente.

Mas é claro que nada disso impedia os pensamentos intrusivos.

Perdi a conta de quantas vezes aceitei que estava vivendo em busca de fantasmas. Que não havia a menor possibilidade de qualquer um deles ter sobrevivido e que as únicas coisas que eu encontraria, espalhadas pelo estado, eram partes de seus corpos arrancadas por zumbis. Lembrava dos bons momentos que vivemos juntos apenas para aceitar que os havíamos perdido para sempre.

Por isso ver aquela mensagem me desestabilizou tanto.

— Toma. — Samuel me estendeu um dos copos de água que segurava. — É água com açúcar, minha mãe disse que acalma.

Em outra circunstância, eu teria rido do fato dele também ter preparado um para si. Ao invés disso, bebi tudo num gole só.

— Obrigada.

Ficamos em silêncio por vários segundos enquanto Samuel tomava sua água em golinhos, provavelmente cada um mais assustado do que o outro para falar qualquer coisa.

— Você acha que... — comecei.

— Por que eles teriam...

Tentamos falar, mas os dois se interromperam e nos calamos, esperando que o outro continuasse. Ninguém falou nada e ficamos em silêncio por mais vários minutos.

A tinta vermelha da caneta permanente (que por um único segundo eu achei ser sangue, e graças a isso estava com o coração tão acelerado que Samuel precisou me trazer o copo de água com açúcar) nos encarava, em silêncio. Sua mensagem era clara, mas havia tantas perguntas que eu gostaria que ela respondesse.

Mei grunhiu, baixinho, estranhando o clima tenso da sala.

— Você reconhece a letra? — Samuel perguntou. — Não é da minha mãe.

Tranquei a respiração, pela primeira vez pensando em algo tão óbvio. A escrita estava em caixa alta e com letras um pouco tortas, mas o motivo podia ser apenas a dificuldade de escrever a mensagem em uma parede. Então percebi um detalhe: apesar de manter a caixa alta, a última frase, "Fomos para o oeste", tinha a caligrafia diferente da primeira mensagem. Um pouco menos caprichosa e tremida.

Eu sabia quem tinha escrito. Um alívio quase debilitante tomou conta de mim e enfraqueceu minhas pernas. Sentei no sofá mais próximo e coloquei a mão no coração, como se pudesse impedir que batesse com tanta força.

— Eu não conheço a letra de todo mundo e só vi as meninas escreverem em cursiva... pode ser de qualquer um... mas a última parte foi o Guilherme.

Vi a expressão de Samuel clarear. Não tínhamos qualquer ideia de quanto tempo se passou desde aquela mensagem e lutei contra o pensando de que ele poderia nem estar mais vivo àquela altura. Gui esteve vivo por tempo suficiente para voltar até o condomínio — e provavelmente Leonardo também.

— E é pra nós dois — Samuel adicionou. — Quero dizer, nós dois. Isso mostra que somos os únicos que eles não sabem o paradeiro.

— Como assim? — Demorei para acompanhar, meu raciocínio prejudicado pelo susto inicial.

Em FúriaOnde histórias criam vida. Descubra agora