Capítulo 4

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Assim que Lia colocou os pés dentro da sala de espera começou a examinar o local. Dava para perceber a qualidade do atendimento de um especialista da saúde pelo seu local de trabalho.

Aquela sala parecia um hospício, não necessariamente de um jeito ruim. Era tudo tão branco, tão organizado. Feito sobre medida para alguém com possíveis transtornos mentais, um imã de pacientes a beira da loucura.

Ótima estratégia de marketing.

- Senhorita Paulsen, é por aqui.

Uma secretária engomadinha a atendeu, pedindo para que fosse seguida. Tamanha ousadia deixou Lia irritada, não pelo fato em si, mas pelos motivos que rondavam a sua permanente naquele local. Sua mãe.

- Boa tarde.

- Boa tarde. - Lia cumprimentou, abrindo um sorriso amarelo.

A psicóloga parecia gentil, diferente da secretária. Ela mesma lhe recebeu em sua sala, fechando a porta atrás delas.

- Então, está pronta Amália?

Indagou, pacífica. A mulher já havia visto sua ficha, sabia seus dados pessoais. Felizmente ela tinha um crachá com identificação em sua camisa. Lia sabia pelo menos o nome, Sarah Harrison.

- É Lia. - explicou, antes de se sentar em uma poltrona divã. Era macia e branca, assim como quase todo o resto da sala.

- Desculpe?

- Amália faz eu me sentir uma velha de setenta anos, daquelas fofoqueiras que fica sentada em uma cadeira de plástico na calçada.

- Minha vizinha se chama Amália.

- Exatamente! - concordou, por um segundo se sentindo confortável.

- Então, porque você acha que precisa disso?

Parecia que a sessão já tinha começado. Sarah olhou de forma discreta seu relógio de pulso, ajustando seu óculos de descanso e separando seu bloquinho e a caneta.

Lia cruzou os braços e as pernas, respirando fundo antes de responder.

- Na verdade eu não acho que preciso, eu vim obrigada pelos meus pais.

- Gostei da sinceridade.

- Eu vou fazer o possível para facilitar sua vida. - comentou. Havia um certo deboche em seu olhar.

- Eu agradeço. E entendo que você não quer estar aqui, então facilitar será recíproco, você irá se acostumar.

- Não quero me acostumar a isso. Fazer terapia faz com que eu me sinta uma maluca.

- Você tem algo contra mudanças?

Lia não pensou muito, essa devia ser uma pergunta padronizada. Sarah provavelmente já a fez para mais vinte pacientes naquele mesmo dia, dito isso respondeu sem qualquer envolvimento emocional.

- Todo mundo tem. Provavelmente você se sente nervosa com uma paciente nova.

- Vamos falar de você, tudo bem? Você tem algum problema com isso? - indagou, secretamente impaciente.

- De expor meus sentimentos e segredos mais profundos para alguém que eu acabei de conhecer? Ah não, estou confortável. - ironizou, sacudindo seu pulso para baixo. Sarah lhe deu uma encarada severa, o que a fez dar um sorriso inocente.

- Você tem amigos?

- Eu costumava ter, não eram meus mas até que eu gostava de não me sentir sozinha.

O olhar de quase julgamento vindo de Sarah passou rapidamente para algo mais curioso, e ela não fez nenhuma questão de esconder.

- Porque não eram seus?

- Os amigos eram do meu irmão, ele era o mais sociável da família.

Sarah escreveu novamente. Por consequência, Lia ponderou suas palavras, se lembrando das últimas coisas que havia dito. Sabia exatamente para onde iriam essas anotações depois da sessão e não queria ter que explicar nada para seus pais.

- Como era sua relação com ele? Vocês brigavam muito?

- Não, nos dávamos bem.

- Sério? - um ar desconfiado tomou Sarah.

- Eu sei que irmãos brigam o tempo inteiro, mas nossa relação era pacífica.

- E como você se sente?

- Eu me sinto como aquelas personagens nos filmes que termina do mesmo jeito que começou. Eu ainda não consigo acreditar no que aconteceu.

- Sua mãe me contou, também mencionou o fato de você não se sentir confortável para tocar no assunto, então tudo bem se não quiser.

- Já faz tanto tempo, bom, pelo menos para as pessoas de fora. Elas não me conhecem e só se importam com o que é conveniente, quando ainda estão impressionados e a notícia é nova. Quando as informações saturam todos seguem em frente e não dão a mínima se você superou.

- Olha, tudo depende da maneira como você enfrenta o problema.

- Que maneira?

- Se você só pensar em coisas ruins, irá receber coisas piores ainda.

- Isso era para me ajudar? Porque não está funcionando.

- Lia, eu não estou aqui para resolver seus problemas, só quero te orientar na melhor forma de enfrentá-los.

- É a psicologa do ano.

- Pare de reclamar um segundo, irá te fazer bem! Não estou dizendo para você sair por aí saltitante e rir de tudo. Só quero que você veja seus problemas por um outro ângulo, para que deixe de pensar em como eles te afetam e ocupe sua mente pensando em como enfrentá-los. Mas passar por essa transição depende de você, então que seja o mais breve possível.

- Você tem alguma ideia?

- Se concentre em algo que gosta, só para te ajudar a passar por essa etapa do luto.

- É difícil.

- Ninguém nunca disse que seria fácil, mas sua vida só está começando. Tente apreciar as pequenas coisas boas ao em vez dos grandes problemas, principalmente com o único que não tem solução.

- O único?

- A morte é o único problema que você deve aprender a conviver em vez de enfrentar. Mas é um problema a parte, e até acontecer a vida é sua e só você tem controle sobre ela.

Logo após perceber o padrão das perguntas de Sarah e como ela as respondia, Lia se sentiu no controle da situação, de forma inconsciente sabia bem como dominar um mestre em truques psicológicos. Respondeu a mais três perguntas no mesmo estilo das anteriores, sempre com o cuidado de demonstrar mais do que aparentava.

- Bom, nosso tempo acabou. Até semana que vem. - ambas levantaram, se despedindo como velhas amigas.

- Até, foi ótimo conversar com você.

- Espero mesmo ter ajudado.

Não ajudou, na verdade, foram cinquenta minutos na vida de Amália Paulsen jogados no lixo. Sem nenhum meio de serem recuperados.

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